“A atenção é a forma mais rara e pura de generosidade”. A frase, da escritora e filósofa francesa Simone Weil, é citada em uma das cenas do filme “A Filha Perdida” (produção baseada no livro de Elena Ferrante e que está disponível na Netflix). Terceiro lugar entre os filmes de língua inglesa mais assistidos na plataforma de streaming, o filme tem pouco mais de duas horas de duração.
Se você tivesse duas horas disponíveis hoje, dedicaria seu tempo para ver (ou rever) o filme protagonizado por Olivia Colman ou ficaria mergulhado nas redes sociais? Boa parte das pessoas, provavelmente, reservaria esses 120 minutos da vida (e mais outro tanto) para o uso do celular. Pelo menos é o que mostra uma pesquisa divulgada há poucos dias.
Segundo relatório da consultoria AppAnnie, em 2021, os brasileiros passaram uma média de 5,4 horas por dia no smartphone. Os dados levam em conta apenas celulares Android e mostram que, mais uma vez, o Brasil lidera o ranking (mas agora empatado com a Indonésia).
O levantamento também indica que o tempo de uso do celular pelos brasileiros têm aumentado ano a ano. Em 2019, o Brasil dedicava 4,1 horas diárias ao smartphone; passou para 5,2 horas em 2020. Chegou a 5,4 horas em 2021 e… o que virá em 2022?
Mas o que os brasileiros fazem mesmo no celular? Na maior parte do tempo, usam aplicativos sociais. A preferência ainda é o WhatsApp, seguido do TikTok, que foi o aplicativo mais baixado no Brasil no ano passado.
Ainda conforme o relatório da AppAnnie, a lista de aplicativos com usuários mensais ativos no Brasil (ou seja, que realmente acessaram os aplicativos) é liderada pelo WhatsApp, que supera Facebook, Instagram, Messenger e TikTok.
Quem viu o filme “A Filha Perdida” (ou leu algo sobre) sabe que a obra trata de escolhas: maternidade, carreira, amor, sacrifícios, culpa. Trata de atenção: ao outro e a si próprio. Como comunicadores, em geral, estamos do lado interno do balcão, querendo atrair a atenção de leitores, ouvintes, internautas, telespectadores. Quanto de atenção, daquelas 5,4 horas por dia, a audiência vai dedicar ao nosso conteúdo? Mais: quanto o nosso conteúdo tem algo a acrescentar ao cotidiano das pessoas?
Vou adiante: que tal esquecer um pouquinho de trabalho e dos apps? Desligue o celular (ou coloque-o no silencioso) e dedique sua atenção a você mesmo, a alguém do seu convívio íntimo, à vida! Para Simone Weil, dedicar ao outro uma verdadeira atenção é um dom essencial, gratuito e generoso.
O celular e tantas outras tecnologias são bons instrumentos, mas também nos escravizam. Impedem, muitas vezes, que tenhamos um relacionamento real com as outras pessoas. Olho no olho. Pele com pele. Afeto com afeto. Duas horas de conexão verdadeira fazem revolução. Tenho certeza disso. Por isso, retomo a pergunta do título: o que você faria se tivesse duas horas disponíveis hoje?