No auge da ditadura militar, em 1976, a censura proibiu a novela “Despedida de Casado”, a poucos dias da estreia, na TV Globo. O suposto “atentado à moral e bons costumes” (alegação do regime), constituía-se, na verdade, em rica e profunda reflexão acerca das relações matrimoniais, com seus possíveis desgastes, incompletudes e términos.
A novela começaria onde todas as demais acabam: em casamento. A lei do divórcio sequer havia sido regulamentada, mas os personagens principais vivenciavam profundos dissabores conjugais. Crises, angústias, incertezas e até adoecimentos emocionais compunham um roteiro que, certamente, provocaria discussões ainda tabus naquele momento.
Nada a ver com banalização da instituição casamento, que perdura até hoje, para alegria de uns e infelicidade de outros. Eram três casais marcados por conflitos, já bem distantes da fase Romeu e Julieta. Eles procuram um psicanalista, a fim de enfrentar realisticamente os problemas de cada dia. Parecem movidos pela fidelidade ao amor, com o propósito de, supostamente, reconquistar o relacionamento.
O desfecho, claro, poderia se dar à base dos juntos para sempre, como um bom folhetim, ou não. Às vezes, o fim permeia tal enredo, entremeado por pensamentos e emoções que conduzem a um certo desapego: das alianças (estabelecidas explicita e implicitamente), da vida a dois, dos projetos comuns e até mesmo do lar, até então compartilhado.
Cada pessoa vivenciará essa fase de forma única, com os seus desapegos, capacidade de racionalizar problemas, censuras e guilhotinas internas. Serão as suas despedidas, que, passado quase meio século da obra de Walter George Durst, acontecem cada vez mais frequentemente, sobretudo nos momentos pandêmicos.
Na vida real, ainda bem, há quem vislumbre e até amadureça, términos de relacionamentos conjugais serena e civilizadamente, com direito à despedida de verdade, sem tantas beligerâncias e vinganças inúteis. Recentemente, fui sondada sobre algo dessa natureza.
Uma amiga descasou e resolveu que faria a “celebração do desapego”, onde ela e o ex-marido exerceriam genuíno perdão de eventuais erros cometidos, além de agradecer, na companhia de algumas pessoas, o tempo que deu certo. “Seria uma despedida de casado, bem ao nosso estilo, com amizade e gratidão”, afirmou, em tom emocionado.
A ideia chama a atenção para novos modelos de relações conjugais, com mais leveza, sabedoria e civilidade, inclusive no capítulo final. Sem culpas, amarras e ressentimentos, a travessia da finitude torna-se mais fácil. Sofrimentos sempre existirão, claro… Nenhum relacionamento acaba em meio a céus de brigadeiros, mas é possível um quase ou final feliz, além de respeitoso, mesmo quando tudo terminou e, como diz a canção, “nada mais restar do teu sonho encantador”.