A Justiça passa a ouvir, de forma especializada, crianças e adolescentes em processos de família que tratam de alienação parental. Essa decisão foi tomada pelo Plenário do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) durante a análise do Ato Normativo 0003971-80.2024.2.00.0000. A recomendação, que define um protocolo para a escuta e o depoimento nesses casos, foi aprovada por unanimidade na 4ª Sessão Extraordinária de 2024, realizada na última terça-feira (17).
“O intuito é que eles possam contribuir com a elucidação dos fatos, com a manifestação da sua opinião e com a oportunidade de pedir ajuda quando necessário”, afirmou o relator da matéria, conselheiro João Paulo Schoucair.
Justiça da Paraíba, a iniciativa teve boa aceitação, como explica o desembargador Romero da Fonseca, coordenador estadual da Infância e Juventude (Coinju). Segundo ele, o depoimento especial, como o próprio nome diz, foge da norma geral de depoimento prestado perante a autoridade judiciária ou mesmo perante a autoridade policial. “Essa é uma das questões. O depoimento deve ser tomado logo no início perante a autoridade policial ou deve se aguardar a instauração do processo em juízo para que ele seja tomado, ou deve ser tomado em juízo a requerimento da autoridade policial? São os protocolos que vão definir essas situações, que precisam ser regulamentadas para que em todo o país esse depoimento passe a uma normatização única”, pontuou.
O juiz Hugo Zaher, coordenador do Comitê Gestor da Primeira Infância do Tribunal de Justiça da Paraíba, destacou a relevância da implementação do protocolo de depoimento especial para as Varas de Família, especialmente em casos que envolvem situações de conflito parental. “Este protocolo estabelece diretrizes fundamentais para garantir que as crianças e adolescentes sejam ouvidos de forma protegida e acolhedora, sem revitimização, permitindo-lhes expressar livremente seus pontos de vista e sentimentos, como assegurado pela Lei 13.431/2017, 14.340/2022 e pela Lei 14.344/2022”, frisou.
O magistrado destacou ainda que nos processos de família, como os de guarda e alienação parental, é essencial que o sistema de justiça respeite o desenvolvimento emocional e cognitivo das crianças, protegendo sua integridade psicológica e assegurando que, caso seja necessário, o seu depoimento seja colhido com a sensibilidade e a técnica necessárias. “O Tribunal de Justiça da Paraíba, ao adotar esse protocolo, reforça seu compromisso com a proteção integral da criança e do adolescente, conforme prevê a Constituição Federal e os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário. O objetivo maior é que essas crianças sejam protegidas de qualquer forma de violência, incluindo a psicológica, garantindo-lhes o direito de serem ouvidas com dignidade e segurança”, afirmou.
Já a juíza Maria dos Remédios Pordeus Pedrosa, que integra o Comitê Gestor da Primeira Infância do TJPB, disse que toda abordagem feita a criança ou adolescente em situação que envolva conflito ou violência deve ser realizada por profissional habilitado seguindo o protocolo nacional de entrevista forense, de modo a garantir a ouvida da criança em ambiente seguro, acolhedor, com uma abordagem tecnicamente correta dos fatos. E não poderia ser diferente nos casos de possível alienação parental.
“O foco é a integral proteção da criança ou adolescente, de modo a evitar sua revitimização, possibilitando também ao magistrado maior segurança em suas decisões. O TJPB, por seu Comitê Gestor da Primeira Infância, vem trabalhando para a implementação desta política em todo o Estado, de modo que esperamos em breve atender plenamente as determinações advindas do CNJ”, esclareceu a juíza.
A psicóloga Vitória Régia de Oliveira Gonçalves disse que a equipe de depoimento especial da Coordenadoria da Infância e da Juventude (Coinju), do Tribunal de Justiça, já está de posse do protocolo para utilizá-lo em breve. “O protocolo de depoimento especial foi aprovado pelo CNJ para as ações específicas de alienação parental nas oitivas obrigatórias de crianças e adolescentes com participação nas ações de família e terão direito de serem ouvidas e exprimirem suas opiniões em ambiente e linguagem adaptada às suas condições psico emocionais. A aplicação desse roteiro servirá também para embasamento nas decisões judiciais”, afirmou.
O protocolo é resultado de um Grupo de Trabalho (GT) criado pela Portaria Presidência CNJ nº 359/2022, com a finalidade de desenvolver diretrizes para a escuta especializada e o depoimento especial. As orientações visam concretizar o Princípio do Interesse Superior da Criança e do Adolescente, especialmente em questões nas varas de família, onde os interesses dos adultos podem obscurecer a proteção aos menores envolvidos.
Baseado em estudos científicos e na experiência prática dos profissionais da área, o protocolo sugere, por exemplo, que pais ou cuidadores não estejam presentes na sala de audiência, para que a criança possa falar de maneira mais livre. Além disso, recomenda-se que os profissionais utilizem perguntas abertas e abordem temas neutros ou positivos, além dos pedidos de esclarecimento sobre situações específicas.
O documento também ressalta a importância de avaliar cuidadosamente se a preferência de uma criança por um dos cuidadores pode ser causada por medo, culpa pelo dado ou abandono, ou pela percepção de fragilidade de um dos responsáveis. O texto alerta que uma forte preferência por um cuidador e críticas excessivas ao outro podem ser sinais de alienação parental, bullying parental ou distanciamento realista, quando a exclusão é justificada.