O projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para 2020, enviada ao Congresso Nacional pelo governo de Jair Bolsonaro, traz algumas novidades. Uma delas é o fim do ganho real de poder de compra do salário mínimo. Esta prática que prevaleceu nos últimos 25 anos, foi intensificada durante os governos petistas. O presidente Lula passou a reajustar o salário mínimo considerando a inflação e o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e a presidenta Dilma transformou este cálculo em lei.
Para se ter ideia, de acordo com o Dieese, ao invés dos atuais R$ 998,00, sem a fórmula aplicada por Lula e Dilma, o atual salário mínimo seria de apenas R$ 553,00. Agora, no entanto, com Bolsonaro, a classe que vive do trabalho não terá mais o ganho real. O reajuste do salário mínimo corrigirá apenas a inflação.
Não faltará quem queira defender a medida dizendo se tratar de um benefício para o conjunto da sociedade. Porém, ao reduzir a capacidade de consumo dos assalariados, esta medida também resultará em freio para a recuperação da economia, que está estagnada. O neoliberalismo e o livre mercado são apenas ideologias e não ciências exatas.
A outra novidade trazida pelo governo Bolsonaro é o fim dos concursos públicos. Não há nenhum previsto na nova LDO. Esta medida atinge mais direitamente a classe média, crédula de outra ideologia, a meritocracia. É a classe média que tem condições materiais para permitir que seus filhos dediquem-se apenas aos estudos e este é o perfil dos chamados concurseiros.
Não é raro encontrar concurseiros que apóiam medidas neoliberais com o argumento de que estas políticas não irão afetar os concursos públicos já que estes não seriam decisões de governo, atreladas a expansão de serviços públicos, mas, seriam políticas de Estado, independente do projeto político que estiver governando. Pois bem, os concurseiros que não lembram ou não sabem como foram anos neoliberais do período FHC, podem tentar explicar agora como ações desmantelamento da máquina pública permitem a seleção de novos servidores.
O melhor símbolo desta contradição está em um cursinho em Brasília, especializado em provas para o INSS, Banco do Brasil e Judiciário e que fez campanha explícita para Jair Bolsonaro. Quando da vitória eleitoral do atual presidente, ano passado, chegou a oferecer descontos para comemorar. A direção deste cursinho está com dificuldades de entender a decisão do governo Bolsonaro de não apenas encerrar os concursos públicos, como também de fechar 250 mil das atuais 700 mil vagas ativas no serviço público federal.
E apesar do mantra repetido pela grande mídia e pela direita de que no Brasil o Estado é muito grande, para grande parte de nossa população o Estado é quase inexistente. O povo precisa de mais e melhores políticas públicas, sobretudo nas áreas de educação, saúde, segurança, saneamento, habitação, mobilidade, etc. Aliás, o que são as milícias se não o sucesso da ausência do Estado? Ou, quando muito, a presença estatal de forma privatizada.
Quem de fato governa o Brasil é o poder quase invisível do mercado. O desgoverno do Bolsonaro que chegou aos 100 dias com cara de fim é apenas uma miragem para dar passagem à agenda neoliberal. O capital especulativo e seus investimentos que não geram crescimento econômico e aumentam a concentração de renda vem determinando a agenda política sociedade e artificializando consensos, a exemplo da reforma da previdência.
Acrescente-se que o projeto de reforma da previdência, se exitoso, levará a um aumento de poupança e não de consumo. A fórmula rejeitada pelo consenso neoliberal é aquela que diz que para o país só voltará a crescer é preciso geração empregos e para tanto o dinheiro precisa circular e qualquer governo deve adotar medidas anticíclicas para fazer a roda da economia girar, incentivando o capital produtivo e não o especulativo. São necessários investimentos que aqueçam a economia e assim poderemos ter aumento da arrecadação. Além disso, poderemos ter outras receitas se os que ganham mais passaram a pagar mais tributos, proporcionalmente às suas rendas.
Aqueles que alertam escatologicamente para um déficit nas contas públicas, por ignorância ou má fé, esquecem de dizer que praticamente metade do que produzimos vai para superávit e/ou manutenção de títulos da dívida pública, concentrados nas mãos de pouquíssimos especuladores.
A fatura chegou. A pauta econômica é a bifurcação política na sociedade. Não dá para defender privatização da Petrobrás e agradar caminhoneiros ao mesmo tempo. Pobres quando votam como ricos, continuam sofrendo como pobres. A classe média se proletariza e se antes torcia o nariz para presença de trabalhadores nos aeroportos, hoje os encontra nas rodoviárias. Enquanto isto, a Argentina nos lembra o “efeito Orloff” e nos manda um recado: “Brasil, eu sou você amanhã!”