Chefe do Executivo da Paraíba por oito anos (2011-2018), o ex-governador Ricardo Coutinho (PSB) criticou a “violência” usada pelo presidente Jair Bolsonaro com os governadores, com o povo e com as obras do Nordeste. O principal exemplo, diz, seria o “abandono” do governo federal à transposição do rio São Francisco. “É uma discriminação odienta. É importante que as demais instituições ponham um freio nisso e atuem na defesa da democracia”, diz.
Em entrevista ao UOL, Coutinho pediu a responsabilidade ao Congresso e ao STF (Supremo Tribunal Federal) para que vetem excessos de Bolsonaro. “O Congresso pode se afirmar mais, como fez em alguns momentos, por exemplo no decreto das armas. Ele teve boa atitude, mas não estamos vivendo momento de normalidade. Não tem nada normal no que ocorre hoje”, diz.
“Em qual época na história você viu um jornal austríaco de respeito dizendo que o Brasil elegeu um idiota? Em qual época tivemos presidente brasileiro atacando a vontade soberana de um povo, como no caso do Nordeste? As coisas estão num patamar anticivil.”
O ex-governador afirma que esperava por um governo desastrado de Bolsonaro, mas o que mais chamou a sua atenção no governo foi o que chama de violência. “É a violência na palavra; nas relações institucionais federativas, internacionais; na discriminação e no preconceito. Tudo hoje está sendo movimentado em torno da violência, que é comandada pelo atual presidente da República. Todo dia sai algo de estarrecer”, disse.
Falas preconceituosas sobre o Nordeste
Nas últimas semanas, o presidente fez declarações polêmicas envolvendo o Nordeste. No dia 19 de julho, aparentemente sem saber que estava sendo gravado, ele falou ao ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), que “dentre os governadores de ‘paraíba’, o pior é o do Maranhão. Não tem que ter nada com esse cara”.
Dias após, Bolsonaro negou que tenha falado de forma pejorativa sobre os nordestinos e disse que se referiu, na verdade, ao governador da Paraíba, João Azevedo (PSB). No dia 22, em transmissão ao vivo em seu Facebook, Bolsonaro voltou a tratar nordestinos de forma preconceituosa. Ele perguntou ao ministro da Infraestrutura, Tarcisio Freitas, se tinha “algum parente ‘pau de arara'”. Ao ministro responder que sim, ele emendou: “Com esta cabeça aí, tu não nega, não”, disse, soltando uma gargalhada.
No último dia 5, em visita a Bahia, gravou um outro vídeo em que diz: “Só tá faltando crescer um pouquinho a cabeça” para virar cabra da peste. Para Ricardo Coutinho, os ataques não só de palavras, mas institucionais, precisam ser mais vistos pelos outros Poderes.
O Congresso e o STF, naturalmente, precisam ser mais presentes nesse debate. Vejo que o Executivo funciona a mil por hora, pelo menos na produção de coisas não civilizadas, e não é acompanhado pelos demais Poderes. Isso é muito perigoso Ricardo Coutinho, ex-governador O ex-governador diz que, por trás das falas, há interesses internacionais em atingir a soberania do país e tirar proveito de minerais, vegetação e petróleo, por exemplo.
“Em nenhum momento da história houve um presidente tão antinacional como o que aí está –e ele foi eleito com o lema ‘Brasil acima de tudo’. Essa conjuntura tem de ser vencida. Não vamos ter um processo de civilização com o atual governo, que a cada dia piora, ataca mais as instituições, não respeita mais o patrimônio que o brasileiro construiu em tantas décadas”, diz.
Ato pela transposição do São Francisco
Para Coutinho, é necessário que o Nordeste se una e lute para evitar retrocessos ainda maiores. Ele organiza um ato, em Monteiro (PB), no dia 1º de setembro, em defesa da obra da transposição do rio São Francisco.
No início do mês, reportagem do UOL mostrou que o eixo leste da transposição apresenta uma série de fissuras e rachaduras, além de ter o bombeamento de água suspenso pelo governo em fevereiro.
“Esse ato é uma convocação de partidos, lideranças, movimentos sociais. Estamos falando da mais importante obra do Nordeste setentrional, que liberta o semiárido do coronelismo. A transposição terá um impacto nas condições de vida do semiárido. A transposição se acaba por irresponsabilidade do governo e ainda coloca culpa nos outros, sendo que é dele, que não opera o sistema”, afirma.
O ex-governador esteve nas duas “inaugurações” do eixo leste, em março de 2017: a oficial, com então presidente Michel Temer; e a “popular”, dias depois, com os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. “Quem conhece a região, como eu conheço, sabe muito bem que, nos poucos meses em que a água passou pelo rio Paraíba, houve avanços. Pelo menos 1,15 milhão de pessoas estavam consumindo as águas que vêm do São Francisco. Então, o protesto é por esse profundo desprezo com que o governo vem tratando essa obra estratégica para o desenvolvimento regional. Causa revolta.”
Defesa de consórcio
Coutinho ainda defendeu o recém-criado consórcio dos estados nordestinos como instrumento de desenvolvimento. “Muitas coisas deverão ser realizadas por esse consórcio, mas é visto como péssimo olhar pelo presidente. O que talvez ele tenha não entendido é que isso está previsto no nosso ordenamento jurídico, não tem coisa mais antiga”, diz.
Na segunda-feira (12), o governador João Azevedo (PSB) defendeu o consórcio e afirmou que nunca houve intenção dos governadores da região em criar um clima de separação. Ele ainda assegurou que o governo federal cortou verbas garantidas obras federais no estado.
Com o slogan “O Brasil que cresce unido”, o Consórcio Nordeste foi apresentado no último dia 4, em Salvador, e reúne os nove estados da região. A ideia é realizar uma série de investimentos em conjunto, como a criação de uma central de compras, e fechar parcerias com entidades internacionais. Outra proposta é tentar contratar médicos estrangeiros para atuar na região.
O ex-governador acusa Bolsonaro de usar o consórcio para criar um clima separatista e aumentar a cisão do país. “Agora ele tenta construir um discurso que o Nordeste quer se separar, mas ele que tenta criar um clima de separatismo. Esse clima que corrói o país. É uma situação beligerante, de ataques a governadores, de falta de respeito. Ele tem de aceitar e respeitar, entender que as pessoas perdem e ganham eleições”, afirma.
UOL