A Segunda Turma do Tribunal do Trabalho da Paraíba (13ª Região) reconheceu, por maioria, a existência de vínculo de emprego entre um motorista de João Pessoa e a empresa Uber do Brasil Tecnologia. O caso é inédito no Regional e o processo (nº 0000699-64.2019.5.13.0025) teve como relator o desembargador Thiago de Oliveira Andrade.
Segundo a tese que prevaleceu na decisão, “a Uber, embora opere através de um aplicativo, afigura-se em empresa de transportes, de modo que se o motorista que labora em favor dela o faz com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação, o reconhecimento do vínculo de emprego entre eles é medida que se impõe”.
Segundo o desembargador-relator, “a tão falada modernidade das relações através das plataformas digitais, defendida por muitos como um sistema colaborativo formado por ‘empreendedores de si mesmo’, tem ocasionado, em verdade, um retrocesso social e precarização das relações de trabalho. Apesar de todos esses conceitos inovadores e modernos inerentes à chamada Gig Economy, não se deve esquecer do que permanece, e do que é o objeto de estudo do Direito do Trabalho desde o seu nascimento: os conceitos de empregado e empregador.
Subordinação
O voto vencedor explica que, nesse modelo de negócio, apesar do vínculo com o trabalhador assumir nova roupagem, deve haver o reconhecimento da condição de empregado quando demonstrada a presença de seus elementos configuradores, tomando como certa a existência do principal deles, qual seja, a subordinação, senão por sua visão clássica – pelo exercício do poder diretivo da empresa através dos controles por programação (subordinação algorítmica – CLT art. 6ª, parágrafo único), sob seu viés objetivo ou estrutural, já que não restariam dúvidas de que o motorista se encontra integrado aos fins ou à estrutura dinâmica da empresa, exercendo seu trabalho nos precisos termos ditados por esta, inclusive, sob pena de desligamento de sua plataforma.
Decisões em outros países
O voto tem em torno de 100 páginas e demonstra a presença dos elementos inerentes ao vínculo de emprego no caso concreto, inclusive à luz de decisões em outros países, rechaçando também os argumentos de natureza econômica ou mercadológica trazidos pela Uber, segundo os quais os custos trabalhistas inviabilizariam os negócios em plataforma digital. “Se a proteção e garantia dos direitos humanos dos empregados resultarem num necessário aumento de preços das tarifas que assim o seja. O que não se pode admitir é a exploração dos trabalhadores sob o argumento que a garantia dos direitos inviabilizariam o negócio.”
O voto do relator, desembargador Thiago de Oliveira Andrade, foi acompanhado pelo voto do desembargador Edvaldo de Andrade. E, por maioria, a Turma deu provimento ao recurso do trabalhador no aspecto para reconhecer o vínculo de emprego existente com a Uber, para quem prestou serviços por quase um ano.
Uber recorre
A propósito da decisão, a Uber emitiu a seguinte nota:
A Uber esclarece que vai recorrer da decisão, que representa entendimento isolado e contrário ao de diversos casos já julgados por Tribunais Regionais do Trabalho de todo o país.
Nos últimos anos, os tribunais brasileiros vêm construindo sólida jurisprudência confirmando o fato de não haver relação de emprego entre a Uber e os motoristas parceiros, apontando a inexistência de onerosidade, habitualidade, pessoalidade e subordinação, requisitos que configurariam o vínculo empregatício.
Os motoristas parceiros não são empregados e nem prestam serviço à Uber: eles são profissionais independentes que contratam a tecnologia de intermediação digital oferecida pela empresa por meio do aplicativo. Os motoristas escolhem livremente os dias e horários de uso do aplicativo, se aceitam ou não viagens e, mesmo depois disso, ainda existe a possibilidade de cancelamento. Não existem metas a serem cumpridas, não se exige número mínimo de viagens, não existe chefe para supervisionar o serviço, não há obrigação de exclusividade na contratação da empresa e não existe determinação de cumprimento de jornada mínima.
O TST (Tribunal Superior do Trabalho), recentemente, decidiu em dois casos que não existe vínculo de emprego entre a Uber e os motoristas, considerando “a ampla flexibilidade do trabalhador em determinar a rotina, os horários de trabalho, os locais em que deseja atuar e a quantidade de clientes que pretende atender”.
No mesmo sentido, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) também julgou que não existe relação de emprego com a Uber uma vez que os motoristas “não mantêm relação hierárquica com a empresa porque seus serviços são prestados de forma eventual, sem horários pré-estabelecidos, e não recebem salário fixo, o que descaracteriza o vínculo empregatício”.
Em todo o país, já são mais de 470 decisões neste sentido, sendo mais de 100 delas julgadas na segunda instância da Justiça do Trabalho.