Adriana Crisanto

Jornalista profissional (DRT/PB n. 1455/02-99). Especialista em Jornalismo Cultural, mestre em Serviço Social (C.Política) pela Universidade de Salamanca e Universidade Federal da Paraíba (UFPB), com atuação na imprensa local.

Leitura da quarentena: A Devoção de Pathi Smith

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Aproveitei a quarentena do Covid 19 (coronavírus) para colocar em dia algumas leituras. Uma delas foi o livro “Devoção” de Patti Smith, lançado em 2018 pela TAG e pela Companhia das Letras, com tradução do Caetano Galindo. O livro, que ganhei da minha amiga Thelma Ramalho, está dividido em três partes que podem ser lidas separadamente, se o leitor quiser.

Patti Smith era tudo que precisava ler para aprender mais sobre o ato de escrever de forma honesta e madura. Escrever para algumas pessoas não é algo separado da vida, pois não existe momento para sentar e escrever. A escrita permeia na cabeça e fora dos padrões gramaticais. Jornalistas e escritores estão sempre escrevendo. Frases são o último estágio de uma longa cadeia que ultrapassa nossos compromissos do cotidiano, das obrigações de família, do cansaço físico, do tempo perdido no trânsito. Memórias, sonhos, desejos que temos ou tivemos no passado.

Escrever pode ser muita coisa e é mais do que uma elaboração técnica, que é muito importante, mas escrever é sobretudo tirar o excesso e deixar o essencial. É um pouco sobre escrever que a primeira parte do livro fala, que a autora intitulou de “Como a mente funciona”. Neste capítulo ela começa descrevendo um filme que assistiu e compartilha com o leitor suas inquietações sobre a leitura de um livro de Patrick Midiano antes de viajar para Paris. Ela sente que uma história se aproxima, mas no momento, não consegue vê-la, só pressente sua chegada.

A sua parte do livro “Devoção” é a da história que a autora escreveu. E como uma mágica as fontes de inspiração que ela teve na primeira parte surgem de forma inesperada, cada uma fornecendo elementos que compõem o todo. Tudo é uma prosa muito bem construída pela autora. Em um determinado momento ela apresenta a história de Eugenia, uma menina que se gostava de patinar e é apadrinhada por um homem mais velha, uma pessoa misteriosa e rica, com que mantém com a menina uma relação paternal, com uma pitada sexual, mas sempre mergulhada no auto-conhecimento. A autora conduz o leitor nesta história de Eugenia em busca de si mesma das suas origens.

A parte três do livro intitulada de “Um sonho não é um sonho”, Patti retorna à narrativa em primeira pessoa, relatando a experiência de ter visitado a casa do escritor Albert Camus e ter lido a obra original “O primeiro homem”, o livro que Camus deixou inacabado. Neste momento ela reflete sobre o vazio intrínseco sobre o ato de escrever: “Há pilhas de cadernos que delatam anos de esforços abortados, euforia esvaziada, passos incansáveis pelo chão. Precisamos escrever enfrentando miríades de lutas, como quem domestica um potro voluntarioso. Precisamos escrever, mas não sem um esforço consistente e não sem certa dose de sacrifício: para dar voz ao futuro, revisitar a infância e para dar rédea curta às loucuras e aos horrores da imaginação antes de oferecê-la a uma vibrante raça de leitores”.

No entanto, penso que escrever é um exercício em que o erro pode acontecer. Não podemos considerar como algo doloroso, disponível apenas para a “inteligência”, mas que seja para causar prazer. Sou adepta da liberdade de escrever, errar, escrever de novo, debater e evoluir. Mesmo sendo um pocket book a obra apresenta uma instigante reflexão sobre o ato de escrever, descontruindo mecanismos criativos.

Para Patti Smith a literatura conversa com a vida e com o tempo mais do que com a sociedade. Ela mostra a persistência da literatura como forma de expressão das angústias humanas e assim como todos não consegue responder por que gostamos de escrever. Diz ela: “escrevemos por que alguém precisa segurar o espelho que irá fascinar ou repugnar o leitor”.

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