O acordo que rege as relações entre o Vaticano e o Brasil – conhecido como concordata – teria sido feito entre o governo de Luiz Inácio Lula da Silva e o papa Bento XVI por motivos eleitoreiros e também como uma estratégia do PT para "acalmar os católicos", diante de sua aproximação com grupos evangélicos. Hoje, o tratado é alvo de uma ação no Supremo Tribunal Federal por inconstitucionalidade.
A sinalização dessa intenção teria sido feita pelo vereador José Américo (PT), atual presidente da Câmara Municipal de São Paulo, em uma conversa colhida por diplomatas americanos sobre o "difícil equilíbrio" que o PT tem sido obrigado a promover na busca pelo apoio de evangélicos e de católicos. Essas informações constam de um telegrama enviado pelo Consulado-Geral dos Estados Unidos em São Paulo a Washington no dia 9 de novembro de 2009. Esse documento é um dos mais de 130 telegramas vazados pelo site WikiLeaks e obtidos com exclusividade pelo Estado.
Ao fazer uma avaliação do governo Lula e do PT, a diplomacia americana aponta para as relações do partido com os eleitores cristãos. "O PT parece estar colocando em prática uma estratégia religiosa", indicou. "Nos últimos anos, o PT trabalhou de forma cuidadosa para equilibrar seus atos tanto com apoiadores da Igreja Católica quando com as novas e emergentes igrejas evangélicas", diz o documento.
Segundo o telegrama, o apoio que o PT recebida de parte dos católicos brasileiros era "histórico". "Mas, na medida em que o partido foi ganhando apoio entre os evangélicos, a Igreja Católica esfriou suas relações com o PT".
"O vereador do PT de São Paulo, José Américo, citou a recente concordata assinada entre Lula e o Vaticano como uma manobra-chave, estratégica para acalmar os católicos", continua.
Segundo o embaixador do Brasil na Santa Sé, Almir Franco de Sá Barbuda, Lula prometeu a Bento XVI, durante sua passagem pelo Brasil, em 2007, que o tratado seria assinado e ratificado durante o seu governo, o que acabou ocorrendo.
Naquela visita, porém, o então chanceler Celso Amorim optou por viajar ao Canadá, num sinal interpretado pelo Vaticano como uma rejeição do ministro ao acordo.
Mobilização – Outro assunto que a diplomacia americana aborda, a respeito da estratégia do PT para manter seus apoios, é a utilização de jovens padres para mobilizar o eleitorado. "Américo também apontou para a potencial influência política dos católicos carismáticos, muitas vezes representados por jovens padres que cantam e são apresentadores com talento, e para um forte potencial para mobilizar votos para o PT", afirma o texto.
Manutenção – Segundo o Estado apurou, em 2010 a Igreja Católica pediu à então recém-eleita Dilma Rousseff que não reformulasse a concordata. O assunto foi debatido em uma reunião entre o secretário da Santa Sé para Relações com os Estados, Dominique Mamberti, e Gilberto Carvalho, chefe de gabinete do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em Roma.
Mamberti insistiu para que a concordata finalmente entrasse em vigor. E Dilma enviou uma carta ao papa estabelecendo uma espécie de "trégua", depois das polêmicas entre a Igreja e ela durante a campanha eleitoral.
A campanha de Dilma viveu momentos de controvérsia, diante dos comentários do papa sobre as posições da candidata sobre aborto. Bento XVI, em reunião com bispos do Maranhão, condenou a descriminalização do aborto e da eutanásia e recomendou que emitissem "juízo moral" sobre essas questões, mesmo em "matérias políticas". Embora não tenha feito referência direta à eleição, o papa pediu aos bispos brasileiros que orientassem os fiéis a usar o voto para a "promoção do bem comum".
Evangélicos – Num esforço para também manter boas relações com o eleitorado evangélico, o deputado estadual Rui Falcão, também do PT, indicou a diplomatas americanos que o governo federal havia optado por ampliar e diversificar os veículos em que fazia publicidade.
"Antes limitado a publicações católicas, o governo está colocando mensagens de serviço público em publicações da Igreja Universal do Reino de Deus, uma igreja controvertida que tem sido investigada pelo governo por corrupção", afirmou o telegrama, que destaca que a igreja é dona da "segunda maior rede de tevê do Brasil (a Record)".
Durante a visita de Dilma Rousseff aos Jogos Olímpicos de Londres, a cúpula da Record se reuniu com a presidente em seus estúdios, por mais de uma hora. Entre os assuntos estava a eleição municipal em São Paulo.
Estado de S. Paulo