Fim de seca. O Brasil tem Alison dos Santos como medalhista olímpico. O velocista conquistou o bronze na final dos 400m com barreira nas Olimpíadas de Tóquio ao anotar o tempo de 46s72 e, com isso, encerru a seca de 33 anos do país em medalhas em corridas de pista. A última vez queo país esteve no pódio foi com o bronze de Robson Caetano nos 200m em Seul-1988 e prata com Joaquim Cruz nos 800m em Seul-1988.
Cabe destacar que Vanderlei Cordeiro de Lima foi bronze em Atenas-2004, mas em corrida de rua. A últma medalha do Brasil no atletismo de forma geral foi com Thiago Braz, no salto com vara na Rio-2016. Ambos, no entanto, não entram na contagem da corrida de pista.
Alison dos Santos se destaca entre os 53 nomes do atletismo que o Brasil mandou para Tóquio. Nenhum outro concilia tanta juventude — ele tem apenas 21 anos — com um pico de performance tão alto e próximo dos Jogos: o melhor tempo de sua vida saiu no último dia 4. Com os 47s34, seria medalha de ouro nos 400m com barreiras nas Olimpíadas de 2000, 2004, 2012 e 2016, e prata em 2008.
Na adolescência, ouviu da família um ultimato: ou ganhava algo com o esporte ou desistia para trabalhar. Veio a bolsa-atleta de R$ 370, que evitou o fim precoce da carreira de uma das maiores revelações do atletismo brasileiro. Antes de completar um ano de vida, passou 10 meses internado, vítima de queimaduras de terceiro grau em um acidente doméstico. Até hoje carrega as cicatrizes.
Confira outros vencedores:
Robson Caetano: Bronze nos 200m em Seul-1988
Em 31 de maio de 1988, no México, o carioca Robson Caetano terminou a prova dos 100m com o tempo de 10 segundos cravados. A marca segue como um recorde brasileiro e sul-americano, o que faz dele, até hoje, o brasileiro mais rápido da história. Especialista em provas de curta distância, Robson Caetano construiu uma carreira vitoriosa nas pistas, tendo disputado quatro edições dos Jogos Olímpicos e conquistado medalhas de bronze em duas delas (em Seul-1988, nos 200m; e em Atlanta-1996, no revezamento 4 x 100m).
Joaquim Cruz: Ouro nos 800m em Los Angeles-1984, Prata nos 800m em Seul-1988
O brasiliense Joaquim Cruz é um dos grandes heróis do atletismo nacional e permanece como o último homem do país a ter conquistado um ouro olímpico na modalidade, feito protagonizado nos Jogos de Los Angeles, em 1984, na prova dos 800m. Quatro anos depois, em Seul, ele desembarcou para os Jogos Olímpicos de 1988 como o favorito ao ouro e, por muito pouco, não repetiu o feito, tendo perdido a medalha dourada nos últimos metros após uma arrancada impressionante e imprevisível do queniano Paul Ereng. Joaquim Cruz, então, terminou com a prata.
Conheça Alison dos Santos
Se nem o acidente doméstico que deixou marcas permanentes em Alison dos Santos foi capaz de pará-lo, não seriam as dez barreiras de 91,4cm de altura que impediriam o rapaz de São Joaquim da Barra, interior paulista, de entrar para a história do esporte brasileiro. Seu lugar nos livros está garantido para sempre com a medalha de bronze conquistada na noite desta terça-feira (de Brasília), na prova dos 400m com barreiras.
Completaram o pódio no Estádio Nacional Karsten Warholm, da Noruega, em primeiro, com o tempo de 45s94, o novo recorde mundial da prova, e Rai Benjamin, dos Estados Unidos, segundo lugar com a marca de 46s17. Piu correu a prova e quebrou o recorde sul-americano com o tempo de 46s72.
Coincidência, em Berlim, 1936, o Brasil fez sua primeira final olímpica no atletismo com Sylvio de Magalhães Padilha, nos 400m com barreiras. Oitenta e cinco anos depois, Alison dos Santos sobe ao pódio na mesma prova.
A cada passada larga, obra das pernas cumpridas de Alison e seus 2,00m de altura, um jejum de 33 anos foi ficando para trás. Desde os Jogos Olímpicos de Seul, em 1988, que o Brasil não subia no pódio em uma prova individual de pista. Os últimos haviam sido dois ícones do atletismo, Joaquim Cruz e Robson Caetano.
Agora Alison dos Santos, tão novo, aos 21 anos, já pode se sentar à mesa com eles. Ou então dançar, como Caetano faz na “Dança com os Famosos”. Como faz Rayssa Leal, medalha de prata no skate, entre uma manobra e outra, e que foi citada por Alison após sua primeira corrida em Tóquio. Os dois são a nova geração do esporte olímpico do Brasil.
Piu tem rebolado, é espontâneo, expansivo, aquece cantando, não deixou as cicatrizes que carrega pelo corpo, resultado da queda de uma panela de óleo quente sobre sua cabeça quando tinha apenas 10 meses, limitá-lo em uma bolha de timidez. Foi um processo, a aceitação não veio de uma hora para outra, mas chegou.
Nos Jogos Olímpicos que ensinam sobre a humanidade dos superatletas graças ao episódio envolvendo a saúde mental de Simone Biles, Alison dos Santos no pódio mostra que não deve haver vergonha das marcas. Não são elas que nos definem. Piu é um corredor, um superador de barreiras.
A falta de investimento no atletismo brasileiro é uma delas. Vitória Rosa, ao ser eliminada nos 200m rasos, lamentou a redução de salário decorrente da pandemia. As dificuldades que ela passa, o mais novo medalhista olímpico também conhece. Ainda na adolescência, ouviu da família um ultimato: ou ganhava algo com o esporte ou desistia para trabalhar. Veio a bolsa-atleta de R$ 370, que evitou o fim precoce da carreira do futuro medalhista.
Ainda bem, porque não era difícil vislumbrar no garoto espichado, magrelo, o talento para o esporte. Aos 14 anos, já media 1,85m. Três anos depois, veio o salto de performance: seu tempo nos 400m com barreiras saiu de 53s82 para 49s78. Treinadores e analistas do atletismo brasileiro tiveram certeza de que estavam diante de uma joia do esporte.
Desde então ele tem sido tratado dessa forma. Com poucos companheiros de equipe na seleção para dividir esse rótulo, Alison dos Santos carregou boa parte das expectativas de medalha para o Brasil na modalidade, algo que cresceu ao longo da última temporada, com os problemas físicos de Darlan Romani e a inconstância de Thiago Braz.
O peso foi o de uma pluma sobre os ombros de Piu. Apesar da juventude, da estreia nos Jogos Olímpicos, o atleta impressionou pela naturalidade com que soube lidar com isso. Uma das explicações é a confiança na preparação. Ele é tido como um estudioso da própria prova, alguém decidido a encontrar a melhor técnica para encurtar o tempo — as pernas cumpridas ajudam, mas também o tornam um exemplar único, com passadas diferentes de outros atletas da modalidade.
Alison chegou a Tóquio como promessa e deixará os primeiros Jogos Olímpicos de sua vida como realidade do atletismo brasileiro e mundial. Com apenas 21 anos. Sabe-se lá até onde o rapaz de São Joaquim da Barra pode chegar com suas passadas largas. Ele já mostrou que não há barreira capaz de freá-lo.
O Globo Online