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A Trilogia do luto de Cristiano Burlan é uma incursão arqueológica na dor da perda 

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‘Elegia de um crime’ (2018, 1h32), ‘Mataram meu irmão’ (2013, 1h17) e ‘Construção’ (2006, 47min), dois longas e um média-metragem, compõe a Trilogia do Luto, assim nomeada pelo diretor gaúcho Cristiano Burlan. O primeiro pode ser visto no Now, o segundo na SescTV e o terceiro no Canal Brasil. Os três estão no Embauba Play. São filmes aos quais somente agora tive acesso, o que me instigou a escrever sobre eles. ‘Elegia de um crime’ e ‘Mataram meu irmão’ estão inseridos na categoria de documentário autobiográfico. 

Neste tipo de narrativa documental, também chamada “performática”por Bill Nichols, “autobiográfico” por Michael Renov e de “ética modesta” por Fernão Ramos, o cineasta restringe o campo temático à sua própria existência, sendo ele mesmo tema do seu documentário. Para o estadunidense Nichols, o documentário performático enfatiza a subjetividade numa esfera tradicionalmente pautada pela objetividade, com o mundo histórico sendo tematizado a partir da experiência pessoal do cineasta. Na Paraíba, tivemos o pioneirismo brasileiro de Everaldo Vasconcelos com o seu curta em super-8 ‘Sagrada Família’ (1981). 

 ‘Construção’, que dá início a trilogia, é homenagem ao pai do diretor, trabalhador da construção civil, mas não é, apesar disso, um documentário autobiográfico. Com um tratamento observacional e poético, dois subgêneros do documentário, o filme aborda com imagens e sons, e nenhuma fala, o trabalho na construção civil. São cenas e mais cenas de atividades de trabalhadores erigindo arranha-céus. Em dois momentos, o diretor filma operários em pose, quase solene, encarando a câmera. Nos créditos finais, surge a dedicatória ao pai morto: “À memória do meu pai Vânio Porto que tantas casas construíu.”  

No Brasil, dois representantes da estilística predominantemente performática de longa-metragem foram produzidos nos anos 2000: Um Passaporte Húngaro (Sandra Kogut, 2003) e 33 (Kiko Goifman, 2004), que Jean Claude Bernadet denominou de documentários de busca, e um terceiro, Santiago (João Moreira Salles, 2007) que originalmente não seria autobiográfico. Na última década verificamos uma enorme tendência de realizadores para uma abordagem autobiográfica em seus documentários. Poucos conseguem a originalidade dos filmes citados acima e dos filmes ‘Mataram meu irmão’ e ‘Elegia de um crime’. São obras catárticas, viscerais, surgidas da profunda necessidade de exteriorizar uma dor. 

Em ‘Mataram meu irmão’, Burlan busca descobrir e revolver detalhes perdidos ao longo dos 12 anos passados do trágico assassinato do irmão Rafael de 22 anos, um usuário de drogas. As conversas com familiares e amigos de Rafael são reveladoras da personalidade ímpar do personagem, envolvido em roubo de carros e tráfico de drogas. Um dos amigos, num longa fala à mesa de uma bar à beira-mar, surpreende ao analisar a trajetória de Rafael no contexto de um bairro periférico e marginalizado. A riqueza de seu relato prende o espectador no que poderia ser enfadonho pela ausência de movimento de câmera e alternância de enquadramentos. 

 ‘Mataram meu irmão’ não é um documentário apenas sobre um drama familiar do diretor, que durante a realização do documentário tinha outro irmão no presídio em Cuiabá e cuja voz depõe para o filme através de uma ligação telefônica. É também uma reflexão sobre a violência e o abandono da população periférica das grandes cidades brasileiras, a partir do caso exemplar do Capão Redondo onde moravam o irmão e a família. A ausência de políticas públicas que levem a uma mudança das condições de vida das populações periféricas, tão bem sintetizada na frase do amigo de Rafael e Cristiano Burlan: “A periferia é frustrante”. O filme recebeu o prêmio de Melhor Documentário da Competição Brasileira de Longa e Média-metragem do É tudo Verdade de 2013. 

Cinco anos depois, com ‘Elegia de um crime’, o diretor mergulha de forma mais profunda nessa etnografia doméstica ao viajar à Uberlândia, Minas Gerais, para exorcizar a dor da perda de sua mãe adotiva, Isabel Burlan, assassinada pelo companheiro em 2011. E também movido pela esperança de encontrar o assassino e entregá-lo à justiça. A partir daí, acompanharemos o diretor visitando familiares e amigos que vão falar do trágico acontecimento. São depoimentos altamente emotivos como o de Kelly, a irmã do diretor que encontrou a mãe morta. 

O propósito do diretor não é tocar o espectador com seu drama particular, embora tão universal, já que em qualquer sociedade com tamanhas injustiças sociais o destino de grande parcela da população é o alijamento dos benefícios sociais e a segregação. Com esses dois longas, Burlan levanta questões que dizem respeito a toda a gente que tem suas vidas ceifadas e sofre com a violência cotidiana na periferia das grandes cidades. No caso de ‘Elegia de um crime’, o mais contundente e doloroso, temos mais um assassinato, entre tantos, de uma mulher pelo companheiro instigado por uma cultura do machismo e da violência de gênero. ‘Elegia’ é um poema triste, em sons imagens, para “ressuscitar” a mãe amada que partiu tragicamente.    

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