A falta de correção da tabela do Imposto de Renda (IR) combinada com o aumento da inflação no Brasil tem gerado um aumento histórico da tributação sobre a população com menor poder aquisitivo.
Essa é a conclusão tirada de um estudo feito pelo Sindifisco Nacional, que representa os auditores-fiscais da Receita Federal.
De acordo com uma simulação feita pela entidade, uma pessoa que recebe R$ 5.000, após deduções, paga atualmente R$ 505,64 de IR. Se toda a defasagem da tabela fosse corrigida, esse valor cairia para R$ 24,73 —uma diferença de quase 2.000%.
Em caso de reajuste, apenas pessoas que ganham acima de R$ 4.670,23 ficariam obrigadas a pagar IR. Isso significa que mais 12,75 milhões de brasileiros estariam isentos do pagamento, chegando a 23,84 milhões ao todo. Hoje, a isenção é dada ao trabalhador que ganha até R$ 1.903,98.
No topo da pirâmide, entre os contribuintes que ganham R$ 100 mil ao mês, a diferença percentual entre corrigir ou não a tabela seria bem menor, de cerca de 5%. A diminuição do imposto pago seria dos atuais R$ 26.630,64 para R$ 25.352,85, segundo a simulação do Sindifisco.
“Não corrigir a tabela é uma forma de aumentar o imposto para essa numerosa parcela da população que, além de arcar com o IR, precisa também lidar com os tributos indiretos, que incidem sobre o consumo”, disse presidente do Sindifisco Nacional, Isac Falcão.
Mauro Rochlin, economista e professor da FGV (Fundação Getulio Vargas), destaca que, na medida em que o IR não é reajustado, a inflação acaba onerando mais as pessoas de menor renda porque são as que menos poupam e que menos têm condições de se defender da alta de preços.
“A renda dessa pessoa é praticamente toda voltada para consumo e, na medida em que a receita não está acompanhando a inflação, ela é relativamente mais penalizada do que aquelas que têm maior renda, que podem com o restante de sua renda fazer aplicações financeiras e escapar da alta de preços”, afirma.
No acumulado de 12 meses até junho, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) chegou a 11,89%. No mês, a inflação subiu 0,67% com alta de alimentos fora de casa e plano de saúde, segundo informou o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
A inflação de cada período faz uma grande diferença no cálculo da defasagem. Entre especialistas, o congelamento da tabela é visto como uma estratégia política.
“A não-correção da tabela progressiva do IR é uma forma de se aumentar a arrecadação sem que o Poder Executivo tenha custo político associado à majoração de alíquota, por exemplo”, disse o vice-presidente do Sindifisco Nacional, Tiago Barbosa.
“É só deixar a inflação agir sem mexer nas faixas que a correção monetária da renda auferida pelos contribuintes causa aumento no tributo pago. Ou seja, trata-se de um tributo oculto que o governo não quer abrir mão”, acrescentou.
O levantamento feito pelos auditores da Receita mostra que a defasagem da tabela do IR chegou a 147,37%, considerando o período de 1996 –ano em que deixou de sofrer reajustes anuais– a junho deste ano. Antes, nos anos de inflação descontrolada, a tabela sofria reajuste automático por um indexador, a Ufir (Unidade Fiscal de Referência).
Renda mensal, em R$ | Imposto a recolher (tabela vigente), em R$ | Imposto a recolher caso tabela fosse corrigida, em R$ | Diferença, em % |
---|---|---|---|
1.903,98 | – | – | – |
2.000,00 | 7,20 | – | – |
2.500,00 | 44,70 | – | – |
2.570,00 | 49,95 | – | – |
3.000,00 | 95,20 | – | – |
4.670,23 | 414,95 | – | – |
5.000,00 | 505,64 | 24,73 | 1.944,64 |
6.000,00 | 780,64 | 99,73 | 682,75 |
7.000,00 | 1.055,64 | 179,73 | 487,35 |
8.000,00 | 1.330,64 | 329,73 | 303,55 |
10.000,00 | 1.880,64 | 683,12 | 175,30 |
11.002,40 | 2.156,30 | 908,66 | 137,31 |
12.500,00 | 2.568,14 | 1.290,35 | 99,03 |
15.000,00 | 3.255,64 | 1.977,85 | 64,61 |
20.000,00 | 4.630,64 | 3.352,85 | 38,11 |
25.000,00 | 6.005,64 | 4.727,85 | 27,03 |
30.000,00 | 7.380,64 | 6.102,85 | 20,94 |
40.000,00 | 10.130,64 | 8.852,85 | 14,43 |
50.000,00 | 12.880,64 | 11.602,85 | 11,01 |
100.000,00 | 26.630,64 | 25.352,85 | 5,04 |
Foi no segundo ano do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) que a atualização anual deixou de ser feita. A partir da gestão tucana, a correção passou a ser feita de maneira inconstante, como em 2002 e, nos governos do PT, entre 2005 e 2015 —último ano em que houve reajuste.
Durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), a defasagem está acumulada em 26,6% até junho, segundo dados do Sindifisco. O valor está acima de qualquer outro presidente desde a implementação do Plano Real. Segundo a entidade, nenhum outro chefe do Executivo realizou a correção integral da tabela do IR.
A tabela de cobrança do IR é a mesma há sete anos, quando o salário mínimo era de R$ 788. Com a previsão de um salário mínimo de R$ 1.294 em 2023, em texto aprovado da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), os brasileiros que receberem R$ 1.941 (1,5 salário mínimo) terão de pagar IR a partir do ano que vem, caso a tabela não seja corrigida.
A defasagem faz também com que muitos contribuintes mudem de faixa de renda após reajustes salariais, ainda que abaixo da inflação, e passem a pagar uma alíquota mais elevada em relação ao ano anterior.
“O imposto se torna mais regressivo, porque a pessoa muda de faixa salarial sem que tenha tido ganho real de renda. Com isso, ela está sendo mais onerada por força do imposto. Esse é mais um motivo pelo qual a não-correção do Imposto de Renda penaliza as pessoas de menor renda”, disse Rochlin.
Promover a correção da tabela do IR foi um compromisso assumido por Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2018, ainda não concretizado.
O projeto de lei da Reforma do IR, o PL 2.337 de 2021, defendido pelo ministro Paulo Guedes (Economia), previa a correção da tabela, mas a proposta tinha itens polêmicos, como a taxação de lucros e dividendos. O texto está parado no Congresso. Neste ano, o governo não vê mais espaço para implementar a medida, dizendo haver entraves da lei eleitoral.
Folha Online