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Carlos Ruiz

Carlos Enrique Ruiz Ferreira é mestre e doutor pelo Departamento de Ciência Política da USP; pós doutor pelo Departamento de Filosofia da USP; professor doutor associado de Relações Internacionais da UEPB. Atualmente é coordenador geral do Centro de Estudos Avançados em Políticas Públicas e Governança (CEAPPG) e coordenador do curso de Relações Internacionais da UEPB
Carlos Ruiz

União Europeia e América Latina e Caribe: Democracia e Desenvolvimento Sustentável

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Nos dias 17 e 18 de julho, os chefes de Estado e Governo dos países da União Europeia e da América Latina e Caribe se encontrarão numa reunião de cúpula para tratar da parceria estratégica que foi lançada em 1999.

A verdade é que muito pouco se avançou, mas não devemos subestimar a importância e potencialidade dessa parceria. Indo direto ao ponto: há princípios e valores políticos e culturais comuns entre as duas regiões, principalmente se tivermos em conta a ideia do “choque de civilizações”, para lembrar Samuel Huntington*. Mas cabe discordar da divisão proposta por este autor, já que ele estabelece a existência de uma “civilização ocidental” em que estão os Estados Unidos da América e a Europa (também Austrália e Canadá) e, distinta desta, uma “civilização latino-americana” (além de outras). Prefiro pensar as civilizações a partir das “mentalidades coletivas” e das “continuidades”, elementos trazidos por Fernand Braudel no “Gramática das Civilizações”.**

Num certo sentido, e é este o tema que cobra relevância geopolítica na análise que proponho, a América Latina e Caribe e a Europa poderiam (deveriam?) estar mais unidos entre si do que cada região com os EUA. A pergunta é: do ponto de vista geopolítico, tendo em conta por um lado os valores da Democracia e Desenvolvimento Sustentável, e por outro os polos de poder existentes (EUA e China) não seria realmente mais adequado que as duas regiões concretizassem de fato sua parceria estratégica?

Caso a resposta seja afirmativa valeria a pena ressaltar a importância do pilar acadêmico, do ensino superior para a efetivação dessa parceria bi regional. Tive a responsabilidade de representar o departamento de Relações Internacionais da Universidade Estadual da Paraíba na V Cumbre Académica Unión Europea y América Latina y el Caribe, na cidade de Alcalá de Henares, na Espanha, nos últimos dias 6, 7 e 8 de julho. (ver: http://www.fap-alc-ue.com/index.php/2023/02/10/v-cumbre-academica-alc-ue-7-8de-julio-2023/)

O encontro de reitores, pró-reitores, cientistas, docentes e discentes, ocorre há mais de 10 anos, e vem se constituindo em um significativo campo de reflexão e propostas para a criação de um espaço comum bi regional de ensino superior. Para além dos temas propriamente de harmonização e integração curricular, de títulos e da internacionalização – que infelizmente ainda não fazem parte da agenda política dos chefes de Estado e Governos – cumpre notar o intercâmbio de conhecimentos e compreensões mútuas geradas nestes momentos.

Dois temas de ímpar relevância foram tratados nestes dias e que poderiam se tornar elementos fundamentais (além do comércio e economia) para uma agenda política estratégica: a Democracia e o Desenvolvimento Sustentável. A meu juízo, essas deveriam ser as bandeiras políticas e culturais de ambas as regiões. Ou, como diria meu orientador Oliveiros Ferreira, os valores nucleares da Weltanschauung (visão de mundo) euro-latinoamericana e caribenha.***

As experiências governamentais na Hungria e Polônia, além da Itália, na Europa, e a que se viveu no Brasil, em tempos recentes, acedem a luz vermelha para o farol da Democracia e Direitos Humanos. Se olharmos para os partidos e grupos de extrema direita, com vieses fascistas e neonazistas, seu crescimento e/ou ressurgimento, também merece uma atenção redobrada. Quem sabe esse é o tema mais contemporâneo e urgente (ao lado do tema do combate à pobreza e fome) das Relações Internacionais, tendo em vista a visão de mundo que aqui estamos defendendo.

Possivelmente não haja outras “civilizações”, outros países ou coalizações de países, que possam contribuir mais do que a UE e ALC para defender, fortalecer e disseminar os valores da Democracia, Direitos Humanos e Desenvolvimento Sustentável no mundo. Claro que, para que isso ocorra, as universidades e todo o ensino superior de ambas as regiões precisam ser mobilizados e direcionados, diria, a partir de políticas públicas muito bem estruturadas para dar conta dessa latente missão planetária.

Caberia ganhar destaque, nesta agenda estratégica, temas como racismo, heteropatriacalismo, e meio ambiente (relação com a natureza). Temas que ainda se constituem em chagas presentes em nossas regiões. Não obstante, essas chagas estruturais, que marcam uma triste e violenta história da Europa e ALC, há um levante, intelectual e prático, sobretudo neste lado do Atlântico, que as vem combatendo e desconstruindo, fazendo emergir a defesa e respeito de direitos e, inclusive, novas epistemologias.

Neste sentido, as reflexões e práticas decoloniais e anti-coloniais precisam não só se disseminar pelas instituições de ensino superior (nos currículos e nas entranhas burocráticas e protocolares), mas nossas instituições poderiam se tornar protagonistas, propagadoras extremamente eficazes de valores e práticas condizentes com a democracia e os direitos humanos, estes consagrados nos mais altos ordenamentos jurídicos internacionais.

Oxalá os chefes de Estado e de Governo compreendam que as obrigações para com a Democracia e o Desenvolvimento Sustentável merecem vultuosos investimentos e políticas públicas bi regionais que busquem contribuir para que um outro mundo seja possível.

* O Choque das Civilizações e a Recomposição da Ordem Mundial, Samuel Huntington. Editora Objetiva, 1997.

** Gramática das Civilizações, Fernand Braudel. Martins Fontes, 1989.

*** Ver: Os 45 Cavaleiros Húngaros, uma leitura dos Cadernos de Gramsci, Oliveiros S. Ferreira. Hucitec, 1986

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