Notícias de João Pessoa, paraíba, Brasil

Rafael Morato Zanatto analisa filme paraibano sobre Jackson do Pandeiro

Facebook
Twitter
WhatsApp
Telegram

Doutor em História e Sociedade e pós-doutor em Meios e Processos Audiovisuais, Rafael Morato Zanatto escreveu uma crítica para o ParlamentoPB sobre o filme “Jackson – na batida do pandeiro”, dos cineastas Marcus Vilar e Cacá Teixeira. Confira o texto:

Jackson – na batida do pandeiro: monumento da música brasileira

Rafael Morato Zanatto*

Na noite de quarta-feira, 18 de outubro, o Festival de Cinema Nordestino encerrou sua programação em grande estilo com a exibição de Jackson - na batida do pandeiro, dos cineastas Marcus Vilar e Cacá Teixeira. Integrante do conjunto de sete filmes da Primavera do Cinema Paraibano que ocupou as telas do Fest Aruanda (2018), a produção narra a trajetória de Jackson do Pandeiro desde sua infância em Alagoa Grande e percorre a formação sentimental em Campina, as apresentações em cabarés e na rádio Tabajara em João Pessoa, o sucesso alcançado em Recife na Rádio do Jornal do Comércio, a fase áurea de sua carreira no Rio de Janeiro e, em última instância, seu legado para a música brasileira.
 
Margeando esse percurso, o prólogo do filme narra a morte de Jackson após um show realizado em Brasília, cidade representada por cenas de arquivo de sua construção e da abertura de ruas e estradas com maquinário pesado. Após esse prólogo, o espectador vê uma pequena estatueta de argila do músico ser alçada do chão e ladear outras idênticas em uma olaria de Alagoa Grande, terra natal do músico. Na cena, Jackson é um monumento e sua reprodutibilidade evoca seu legado transmitido às novas gerações da música brasileira. No epílogo, a morte de Jackson é recuperada para mostrar o contexto e reafirmar o reconhecimento da pequena cidade ao seu cidadão mais notório homenageado no portal da cidade e no memorial a ele dedicado. Tanto no prólogo como no epílogo, as estatuetas, o portal e o memorial monumentalizam e atribuem ao músico e sua obra a justa posição de patrimônio cultural imaterial da cultura nordestina e brasileira.
 
Com essa disposição episódica emoldurada pelo prólogo e epílogo, outros elementos atravessam todo o filme, como os amores de sua vida, as pesquisas musicais que realizou a partir do contato in loco com as orquestras e swings, o frevo, o forró e o samba. Já o coco, o xaxado e a embolada são tomados como matéria original de sua expressividade artística, herdada de sua mãe e das vivências na Paraíba. Além de sua formação musical, o filme utiliza cenas de cartões postais das cidades, de fachadas de edifícios e de elementos dos mais diversos para compor sua atmosfera sonora e visual. Um bom exemplo da utilização desses recursos pode ser notado no modo como os cineastas apresentam as atividades produtivas das cidades, sejam elas do passado ou do tempo presente, como o cultivo de cana-de-açúcar notado nas ruínas de uma usina, a penosa fabricação de tijolos em uma olaria em Alagoa Grande e o transporte animal de fardos de algodão em Campina.
 
A partir delas, é possível imaginar os espaços frequentados pelo músico, as ruas que percorreu, os botecos que entornou e os espaços que tocou seu pandeiro. Em alguns momentos, esses espaços são representados na falta de registros, como a presença de Jackson nos cabarés de João Pessoa, reconstituído cenicamente para dar densidade visual aos depoimentos. No caso de sua passagem pelo Recife, na qual conheceu Almira Castilho, com quem foi casado e estabeleceu uma profícua parceria musical, o período vivido na rádio do Jornal do Comércio é vivificado por um espaço decorado com imagens de Jackson e Almira à época. A partir desse recurso, o espectador recria em sua imaginação esse período da vida do biografado mesclando o depoimento da cantora às imagens que a cercam e à luz do que haviam assistido até então, como a fachada do edifício, as imagens de outros carnavais e notícias de jornais.
 
Utilizando procedimentos dessa natureza, os cineastas elaboram um importante complemento para lidar com as ausências imagéticas que, em seu período áureo, são mais fartas. No Rio de Janeiro, por exemplo, a participação de Jackson em chanchadas é profundamente explorada, é necessário dizer, para a alegria dos espectadores. Nelas, vemos um estilo cênico bastante particular do pandeirista em executar seu instrumento, uma performance já notada no talento apresentado na rádio Tabajara em João Pessoa, que floresce no Recife e alcança o ápice no Rio de Janeiro. Na cidade, detentora de todo um sistema musical que envolve gravadoras, rádios e revistas de música, vemos Jackson se dar conta do alcance nacional de suas canções e da identificação com o samba, gênero musical exalado pela cidade. Não por acaso, os entrevistados notam em seu forró sambado a mistura de elementos como chave interpretativa de seu legado para a música brasileira.
 
Essa disposição sincrética em mesclar estilos da música nordestina e sudestina também é encontrada em sua frequentação em diferentes rituais religiosos e suas sonoridades específicas que compõe uma constelação na qual o xaxado, a embolada, o coco, o frevo, o samba e as marchas de carnaval são as mais brilhantes estrelas. Apesar da multiplicidade de influências regionais que harmoniza em sua obra, a identidade nordestina é ressaltada pelo prazer do músico em visitar a feira de São Cristóvão, polo da cultura nordestina do Rio de Janeiro. Nessa sequência, o filme destaca os laços profundos do músico com a cultura da região e evoca as memórias do labor infantil na feira de Alagoa Grande.
 
Além de reconstituir o percurso formativo do biografado, o filme narra momentos decisivos em sua vida, como a morte do pai, as agressões sofridas em Recife e o acidente automobilístico que exigiu um profundo e penoso trabalho de recuperação em meio às dificuldades financeiras que se abateram sobre sua família. Com a recuperação plena dos movimentos dos dedos, a situação melhora e as coisas voltam a caminhar.
 
No filme, encontros com personalidades como Luiz Gonzaga, Gal Costa, Hermeto Paschoal, Elba Ramalho e Gilberto Gil representam as grandes dimensões de seu legado na música brasileira frente às investidas da indústria cultural estadunidense em nosso mercado, sobretudo à partir do golpe civil militar de 1964 e da Jovem Guarda, mosaico que os espectadores são capazes de recompor retrospectivamente a partir do depoimento de Alceu Valença, um cabeludo como os da Jovem Guarda mas que não era “cabra safado”.


Em aspectos gerais, a montagem do filme fundamenta-se em uma economia rítmica que se harmoniza com o ritmo único das canções de Jackson, episódio a episódio, prólogo e epílogo. Um fato também interessante se dá com a associação do músico aos craques do futebol, um Garrincha da música brasileira notório pelos seus dribles, elásticos e canetas que o notabilizaram na arte do pandeiro.

Realizado com o patrocínio da Prefeitura Municipal de João Pessoa (Funjope/ Prêmio Walfredo Rodrigues) e o Governo do Estado de Pernambuco (Funcultura), o filme reafirma a necessidade de que os poderes públicos destinem recursos à produção de filmes brasileiros. São eles que expressam nossa cultura, forjam nossas identidades, preservam nossos costumes, revitalizam nossas crenças, movimentam nossa economia e transmitem o nosso legado.
 
Evidentemente, muita coisa escapou dessa única vez que assisti ao filme, contudo, seu impacto me marcou profundamente. As músicas de Jackson do Pandeiro não saíram de minha cabeça, aprender mais sobre sua obra ultrapassou outras necessidades intelectuais e cognitivas e acredito que esse impacto não seja individual, pois ao sair da sessão, foi possível notar diferentes pessoas assoviando e cantarolando em médio tom músicas como Chiclete com Banana e Sabastiana. Em conjunto, a linguagem e a expressividade social de Jackson - na batida do pandeiro, demonstra todo o potencial de uma fisionomia específica do cinema paraibano contemporâneo e reafirma, com seu estilo, a importância da tradição documental do Estado no panorama mais amplo da cultura cinematográfica brasileira.
 
*Doutor em História e Sociedade (UNESP) e pós-doutor em Meios e Processos Audiovisuais (Escola de Comunicação e Artes-USP). Foi pesquisador da Cinemateca Brasileira e realizou estágios de pesquisa na Cinémathèque française (2012), Deutsche Kinemathek (2017) e IRCAV – Institut de recherche sur cinéma et l´audiovisuel/ Sorbonne Nouvelle Paris 3 (2023), todos com o amparo da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

 

Tags

Leia tudo sobre o tema e siga

MAIS LIDAS

Após agressão, Ulisses Barbosa é internado e precisa de doação de sangue

Anteriores

ulissestermo

Ulisses Barbosa tem alta do hospital e agradece solidariedade

pracaintermares (1)

Prefeitura de Cabedelo revoga doação de terreno em Intermares a construtora

consunjreune

Unanimidade: Consuni aprova eleição de Terezinha e Mônica

Cagepa doa água para o RS

Cagepa vai doar 10 mil copos de água potável por semana para o Rio Grande do Sul

Prefeitura mapeia pontos de alagamento

Defesa Civil mapeia pontos de alagamento na capital

Karla Pimentel, Conde

Aprovados cobram que prefeita de Conde homologue resultado de concurso

João Azevêdo e alexandre padilha

João Azevêdo se reúne com Alexandre Padilha e apresenta obras no valor de R$ 2 bilhões

Chuvas, chuvas

Inmet emite alerta de chuvas intensas para municípios paraibanos

Acidente na Epitácio hoje

Trânsito na Epitácio é bloqueado parcialmente após acidente com motociclista

Prefeitura Municipal de Caaporã

Prefeitura de Caaporã terá que indenizar servidora por danos morais