De início, confesso logo: não estou com um pingo de motivação este ano para acompanhar os jogos da Copa do Mundo no Catar. Dos jogadores que compõem a Seleção Brasileira, sei apenas o nome de Neymar e de Daniel Alves — e menos por futebol do que por outros temas.
Para falar a verdade, não fosse pelo objETHOS, o Observatório da Ética Jornalística (projeto do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina), eu sequer teria lembrado que a Copa começava neste 20 de novembro.
Em sua edição mais recente, a newsletter do objETHOS traz sete provocações para motivar discussões éticas em relação à cobertura jornalística em tempos de Copa do Mundo:
Dá pra cobrir o campeonato mundial sem ufanismo e patriotada?
Narradores precisam mesmo atuar como animadores de torcida?
Veremos mais uma vez repórteres adulando craques e fazendo vista grossa para a atuação da CBF?
Com tantas jornalistas incríveis, por que os meios brasileiros enviaram tão poucas mulheres para o Catar?
Alguma equipe de reportagem conseguirá se desvencilhar do grande esquema de relações públicas da FIFA e fazer uma cobertura independente do evento?
Aliás, será possível fazer jornalismo crítico num país como o Catar, que está longe de ser democrático e cumpridor dos direitos humanos?
A cobertura da Copa vai eclipsar as últimas semanas do governo Bolsonaro?
Enquanto lia as questões levantadas pelo objETHOS, outras vieram à minha mente: a camisa da Seleção Brasileira usurpada pela direita extremista; o sentimento de quem quer torcer pelos jogadores brasileiros, mas ainda sente desconforto ao se vestir de verde-amarelo; a falta de conexão dos torcedores com os craques da seleção — que se exibem em jatinhos, roupas de grife e festas badaladas, enquanto milhões de brasileiros passam fome; a saudade que dá de termos craques da bola com consciência social e política, como o saudoso Sócrates.
Penso nos nossos dramas como nação, mas também revisito a escolha do Catar em dezembro de 2010 como país-sede para a Copa do Mundo 2022. Na época, a FIFA optou, de forma surpreendente, pelo Estado catariano em detrimento das propostas dos Estados Unidos, Japão, Coréia do Sul e Austrália.
Como torcer, por qualquer seleção que seja, e ignorar as constantes violações de direitos humanos naquele país, envolvendo trabalhadores imigrantes, mulheres e população LGBT+? Como se deixar cegar pela bola correndo no gramado e não refletir sobre os inúmeros episódios de cerceamento à liberdade de imprensa e de expressão no Catar? Como? Como reportar sem se indignar? Como?