Único instrumento de fiscalização das contas bancárias mantidas em sigilo no Senado, a comissão interna formada por um senador e dez servidores é uma peça de ficção. O grupo, que não se reúne há pelo menos cinco anos, é integrado por funcionários que não mais pertencem aos quadros do Senado e até por um servidor morto em 2005.
Trata-se de Celso Aparecido Rodrigues, diretor financeiro do Senado. Ele foi designado para o Conselho de Supervisão do SIS (Sistema Integrado de Saúde) em agosto de 2003.
Morreu dois anos depois.
Em tese, o colegiado deveria analisar as movimentações de três contas criadas para gerir as contribuições mensais dos funcionários que aderiram ao plano de saúde do Senado. Mas na prática essa tarefa coube exclusivamente ao ex-diretor-geral Agaciel Maia.
"Nunca participei de qualquer reunião desse conselho", disse ontem um de seus integrantes, o ex-diretor-geral Alexandre Lima Gazineo.
Como revelou ontem a Folha, as contas bancárias (duas na Caixa Econômica Federal e uma no Banco do Brasil) têm saldo de R$ 160 milhões e são movimentadas constantemente -somente neste ano, já foram sacados R$ 6 milhões.
As retiradas são realizadas sem controle, já que, desde 1997, por decisão da Mesa Diretora do Senado, não constam da contabilidade oficial da Casa nem do Siafi (o sistema federal de acompanhamento dos gastos públicos).
A comissão, a quem caberia cuidar desse controle, ainda tem a mesma composição de 2003. No papel, é presidida pelo senador Romeu Tuma (PTB-SP), que foi designado na condição de primeiro-secretário do Senado, cargo que não ocupa desde 2004.
Entre as medidas anunciadas ontem pelo diretor-geral do Senado, Haroldo Tajra, está a definição de um novo presidente do conselho e a indicação dos demais membros, que serão escolhidos na próxima reunião da Comissão Diretora do Senado, sem data marcada.
Romeu Tuma se disse surpreso com a falta de fiscalização. "Perguntei a pessoas do departamento médico. Elas disseram que nunca mais a comissão se reuniu", declarou.
O senador disse que, no período em que ele era primeiro-secretário, o grupo se reunia mensalmente para discutir o ressarcimento dos gastos dos senadores com saúde.
Ao contrário dos servidores, senadores e seus dependentes são livres para escolher onde serão atendidos. Atualmente, todas as despesas são ressarcidas sem limite.
Outro integrante da comissão é Raimundo Carreiro, que desde 2007 é ministro do TCU (Tribunal de Contas da União). Por meio da assessoria do TCU, Carreiro disse que só participou de uma reunião do conselho, "provavelmente em 2003", e depois disso pediu para se afastar por falta de tempo.
Também faz parte do grupo Martha Lyra do Nascimento, que foi chefe de gabinete da Presidência do Senado na gestão Renan Calheiros (PMDB-AL). Hoje, Martha dá expediente no Ministério de Minas e Energia, onde é assessora.
Consultores do Senado ouvidos pela Folha disseram que é a Casa que administra o plano de saúde dos servidores, e não uma entidade privada. Ou seja, o Senado é o fiel depositário do dinheiro de seus funcionários.
Dessa forma, as contas teriam que estar no Siafi.
"Mesmo que o dinheiro seja dos funcionários, não tem sentido colocar numa conta separada porque o Senado passa a ser o responsável pelos recursos. O SIS (Sistema Integrado de Saúde) não é uma pessoa jurídica. As contas devem ter sido abertas com o CNPJ do Senado. Fora do Siafi, o associado não tem acesso ao saldo", disse Fernando Moutinho, consultor de orçamento do Senado.
Folha de S. Paulo