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Um Bom Dia Para Morrer

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França acordou de uma vez. “Los ojos como platos”, dizia um conhecido espanhol, para descrever quando a gente acorda de súbito, os olhos abertos como num susto…

– Eita, ele pensou alto, é hoje.

França, que já tinha sido Francinaldo há tanto tempo que nem ele mais lembrava quanto, tinha conseguido, não faço ideia de como, parar a contagem dos anos e vivia, como gostava de dizer, a metódica solidão dos viúvos. Isso significava fazer tudo, exatamente igual todos os dias. Exceção para as quartas-feiras, quando ia ao cinema, achando muito bom ser de graça para maiores de 60. E aos domingos, quando bebia sozinho uma garrafa de vinho, acompanhado de alguma comida proibida na dieta dos velhos. Na verdade, nesse dia, ele também tomava um drink antes e um licor depois. Esse programa solitário começava ao meio-dia e terminava umas quatro horas da tarde, quando o sono o vencia. Depois do cochilo, assistia à programação da TV, prometia para si mesmo que aquela farrinha não iria mais se repetir e rezava para acordar bem, na segunda de manhã. Para quê, nem ele sabia. Mas era assim. Acordar, fazer a cama, preparar o mesmo desjejum, tomar um pouco de sol na varanda. Percorrer a casa procurando algo que precisasse ser arrumado. Quase nunca tinha. No máximo, recolocar algum livro na estante.

França odiava lembrar-se do passado, por isso, amou o telefone celular e seus aplicativos de distração da vida e jamais, jamais abria caixas com fotografias ou cartas. Por isso, também não encontrava amigos.

– Velho só se encontra para falar do passado e de alguém conhecido que morreu.

Cachorro e gato, também não queria.

– Já tive perdas suficientes na vida. Não quero mais sofrer por isso.

Pois bem. Nesse dia em que acordou com os olhos aboticados, dizendo é hoje, primeiro o coração bateu bem forte, quase no pescoço. Depois ele fechou os olhos, suspirou fundo e disse para si mesmo:

– Não posso fazer nada. Se é hoje, é hoje. E decidiu acordar decentemente, como fazia todos os dias.

Como não rezava, levantou com calma e realizou a rotina metódica dos viúvos, como se houvesse amanhã. Afofou os travesseiros e alisou a colcha da cama. Tomou meio copo de água com o sumo de um limão e riu disso, quase gargalhou, na verdade. Meio copo de água com limão todos os dias para prolongar a vida. Nesse momento, sentiu curiosidade. Check-up médico em dia, as taxas todas em ordem. Uma dorzinha aqui, outra acolá, nas juntas, que ele justificava pelo abuso que tinha a atividade física, qualquer que fosse. Por isso que só saía da dieta aos domingos. Não era dado a esquecimentos, então, não achou que ia deixar o gás ligado e, claro, sem medo nenhum da ceifadora, mas, com receio de sofrimento, realizou as tarefas do dia com redobrado cuidado, a fim de evitar queimadura, engasgo, choque, escorregada no banheiro, queda vestindo as calças… essas coisas. Foi para a varanda, mas não fechou os olhos enquanto tomava sol. Depois, pensou melhor. Ali não tinha caso de tiroteio, bala perdida. Relaxou, fechou os olhos e deixou a quenturinha do sol da manhã fazer a sua carícia e garantir a dose diária de vitamina D. Riu de novo.

– Preciso avisar a alguém, mas vão dizer que estou ficando louco. Nem doente eu estou…

Lembrou-se de Tibério, único amigo de quem sentia falta, colega de repartição. Depois que se aposentou, foi perdendo o contato com o amigo. Após um tempo, nem mais as mensagens de aniversário e final de ano.

– Taí, vou na repartição. Quem sabe lá alguém me dá notícias?

Chamou um Uber, sem antes pensar que poderia acontecer um acidente de carro, mas foi assim mesmo. Desde a aposentadoria, seria a primeira vez que voltava no local onde trabalhou por quase 30 anos. Estava tudo quase do mesmo jeito, só que mais estragado. E, para sua surpresa, quem estava na porta da frente?

– Rapaz, que coincidência! Achei mesmo que hoje poderia encontrar você por aqui.

Tibério estava do mesmo jeito, como se tivesse parado no tempo. Mas França não achou estranho. Ele próprio tinha deixado de contar eras, então, o amigo podia estar do mesmo jeito.

Não se abraçaram.

– Chegue, vamos entrar. Foi o que Tibério disse, estendendo a mão e apontando a entrada.

França sentiu a mão do amigo nas costas, conduzindo-o suavemente e, nesse momento, abriu os olhos, o sol encandeando no rosto, a luz doendo nos olhos.

– Oxente, “Seu” França, essa hora ainda na varanda, homem? Esse sol tá muito quente!

Fátima vinha para uma faxina geral, de 15 em 15 dias. Ela tinha a chave da casa e foi quem deu a notícia:

– O bichinho! Tava com a cara tão serena! Parece que morreu feito um passarinho.

Trilha Sonora
Não Tenho Medo da Morte – Gilberto Gil
Ilustração: pintura de Rene Schute. 1969

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