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Filme tunisiano indicado para Oscar 2021 revisita o mito de Fausto e Mefistófeles

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‘O homem que vendeu sua pele’ (Tunísia, 2020, 104min), filme da diretora Kaouther Ben Hania, chegou às telas de diversas capitais brasileiras, nessa quinta, dia 7. No Nordeste, apenas Salvador, São Luis e Aracaju poderão, por enquanto, conferir o instigante dilema do desesperado Sam Ali que vende sua “alma ao Diabo”, uma versão atual do mito literário de Fausto. Assisti ao filme na cabine on line promovido pela distribuidora Pandora Filmes, no entanto, contamos com o Cine Banguê do Espaço Cultural para nos presentear com essa importante obra de uma cinematografia pouco conhecida.

As obras dramatúrgicas do britânico Cristopher Marlowe (‘A trágica história do Doutor Fausto’, 1604) e do alemão Johann Wolfang von Goethe (‘Fausto’, 1790) eternizaram o mito do homem (Fausto) que vendeu sua alma ao Diabo (Mefistófeles) e que redundaram em adaptações cinematográficas. A pioneira e mais conhecida é ‘Fausto’ (Faust, 1926), dirigida por um dos expoentes do cinema expressionista alemão, F. Wilhelm Murnau, a partir da peça de Goethe. O fotógrafo Karl Hoffmann adensa o drama de Fausto com um embate luz-sombra magnífico jamais visto, numa arquitetura pictórica que virou referência para o que viria a ser produzido ulteriormente na cinematografia mundial. 

Dois diretores consagrados fora da Alemanha, país que reivindica Fausto como mito nacional, se inspiraram nessa fantasia: o húngaro István Szabó com seu ‘Mephisto’ (1981), uma adaptação do romance homônimo do germânico Klaus Mann – numa coprodução húngara, alemã e austríaca estrelada por Klaus Maria Brandauer. E o não menos festejado Alexandr Sukorov com o seu ‘Faust’ (2011), vencedor do Leão de Ouro da 68ª edição do Festival de Cinema de Veneza. Temos ainda uma animação de 1994, dirigida pelo surrealista tcheco Jan Svankmajer; o alemão ‘Fausto’, dirigido por Peter Gorski e Gustaf Gründgens, em 1960; e o brasileiro ‘Filme Demência’ (1986) de Carlos Reichenbach.

‘O homem que vendeu sua pele’ trabalha metaforicamente o mito de Fausto e Mefistófeles, personagem demoníaco das lendas germânicas, ao contar a história de Sam Ali (Yahya Mahayni), refugiado no Líbano fugindo da perseguição política na Síria e sofrendo as agruras de ser estrangeiro noutro país, também num contexto político e social conturbado.  Em busca de uma vida digna e sonhando se juntar na Bélgica à mulher amada, Abeer (Dea Liane), aceita o convite de um artista plástico belga, tão famoso quanto controverso, Jeffrey Goldfroi (Koen de Bouw), cedendo seu corpo para uma obra artística valiosa. Reza no contrato que Sam Ali receberá um terço das vendas e circulará livremente pelo continente. 

A tão sonhada liberdade vai se tornar um pesadelo para Sam. Ele vai perceber que literalmente “vendeu a alma ao Diabo”, além da metáfora proposta pelo filme, explicitado num diálogo entre Sam Ali e o Jeffrey Goldfroi, que se reconhece como um Mefistófeles. Tentando driblar a fome como penetra em vernissages de galerias badaladas de Beirute, Sam é abordado por Soraya Waldy, agente do artista, vivida por Monica Bellucci, lendária atriz e modelo italiana de volta às telas. Jeffrey, ao tomar conhecimento da condição de refugiado de Sam, o seduz com a proposta de tatuar suas costas para torna-lo objeto de uma exposição.

A ideia do filme de Kaouther Ben Hania, que também assina o roteiro, surgiu de uma visita ao Museu do Louvre em Paris durante exposição do artista belga Wim Delvoye, onde ele tatuava as costas de um homem sob o olhar curioso e atônito dos visitantes. Essa imagem perseguiu a diretora por oitos anos, da escrita do roteiro à finalização do filme. Mais do que uma metáfora do bem e do mal nas diversas narrativas de Fausto, Hania discute em ‘O homem que vendeu sua pele’, a condição desesperadora dos refugiados e o contraste com as condições privilegiadas de quem pode ir e vir. Como diz Sam para Joffrey: “Você nasceu no lado certo do mundo.”

Como “obra de arte”, Sam se torna igualmente uma mercadoria a ser negociada nos leilões de arte. Passa a ser exibido em galerias como nos curious halls do início do século XX, onde curiosidades e aberrações as mais diversas eram mostradas a um público afã pelo exótico e estranhezas humanas. O chamado Primeiro Cinema, o “cinema de atrações”, dividia o mesmo espaço com o “homem elefante” e a “Vênus de Hotentote”. Nessa condição de “atração bizarra”, Sam toma consciência de sua consciência de objeto e de oprimido. 

O filme, melancólico em seu tema, levanta interessantes discussões políticas e filosóficas sobre a arte e a sociedade contemporâneas e seus paradoxos. Com diz o personagem Joffrey: “A circulação de mercadorias é mais livre, pelas convenções de nosso tempo, do que a circulação de seres humanos.”  Ou seja, é se vendendo enquanto mercadoria que Sam Ali poderá recuperar sua humanidade e liberdade.

A cineasta Kaouther Ben Hania tem mais sete longas-metragens em sua carreira, sendo o mais conhecido o drama policial ‘A bela e os cães’ (2017) onde discute a masculinidade tóxica e a condição da mulher na sociedade tunisiana. Seu filme mais recente (‘I and the stupid boy’, 2021) tem produção italiana. ‘O homem que vendeu sua pele’ envolveu, além da Tunísia, uma coprodução com cinco países: França, Bélgica, Alemanha, Suécia e Turquia. Esteve na Seleção Oficial do Festival de Cinema de Veneza, em 2020, onde recebeu o prêmio de Melhor Ator para Yahya Mahayni. Num país onde a produção de filmes locais não passa de três ou quatro longas-metragens ao ano e as poucas salas são ocupadas com películas estadunidenses, Hania, com uma filmografia sólida, afirma o seu prestígio no cinema mundial.

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