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Jeferson De continua fiel ao seu Dogma Feijoada em “M-8: Quando a morte socorre a vida”

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Maurício (Juan Paiva), jovem negro da periferia, recém-ingresso no curso de Medicina de uma universidade pública através de cotas, tem um sonho recorrente: de jaleco, numa sala de anatomia, ele segura um bisturi e se aproxima de um tanque com formol onde se encontra um cadáver a ser dissecado. Para seu assombro, o corpo em questão é o dele próprio. Esse pesadelo vai levá-lo a refletir sobre questões urgentes de seu cotidiano. Este é o mote para o diretor Jeferson De abordar mais uma vez o racismo estrutural na sociedade brasileira em seu último longa-metragem M-8: Quando a morte socorre a vida (2019, 1h24min). Inspirado na obra de Salomão Polakiewicz, M-8 tem roteiro de Felipe Sholl e do próprio Jeferson De.

Ao longo da sua jornada, o racismo chega ao protagonista de diversas formas: da mais sutil à mais escancarada. Na terceira cena do filme, um colega de classe o toma como um dos cuidadores (por sinal, todos negros) dos cadáveres da faculdade. A maior parte dos corpos de indigentes disponíveis para os estudos é de pele negra. Pouco a pouco, Maurício vai tomando consciência dessa realidade e decide investigar a origem dos corpos e a história que está por trás desses supostos indigentes, cujos corpos não foram reclamados pela família.

O cineasta Jeferson De, também negro, traz em seu extenso currículo três premiados curtas metragens: Distraída Pra Morte (2001), Carolina (2003) e Narciso RAP (2005). O diretor e roteirista ganhou notoriedade com o seu inusitado manifesto “Dogma Feijoada”, em 2000, transformado no livro Dogma Feijoada e o cinema negro brasileiro, cinco anos depois. O manifesto é uma referência ao movimento cinematográfico “Dogma 95” do cinema dinamarquês lançado em 1995 pelos cineastas Lars von Trier e Thomas Vinterberg, uma espécie de mandamentos para uma estética do cinema daquele país, que buscava devolver aos cineastas uma autonomia sobre suas obras em detrimento do domínio dos estúdios.

O “Dogma Feijoada” direciona suas sete “leis” para os realizadores negros numa tentativa de ressignificar a representação do negro brasileiro no cinema e no audiovisual do país, refutando estereótipos cristalizados historicamente nessas mídias ao propor um conceito de “cinema negro”. Sua primeira lei é a de que o cineasta deveria ser negro, uma clara reivindicação do lugar de fala tão em voga na atualidade; o protagonista tem de ser negro; a obra tem de discutir questões que envolvam a identidade e a cultura negras brasileiras; pensar em realizar filmes que possam concluir e estrear com o orçamento disponível; heróis e bandidos não devem entram na composição dos personagens, sendo sua estereotipação proibida; e, por último, priorizar o negro comum brasileiro.
A estreia de Jefferson De como diretor e roteirista em longas-metragens se dá em 2010 com Bróder, selecionado para a 60º edição do Festival de Berlim, e lançado no Brasil no ano seguinte. Nos anos vindouros, dirigiu e roteirizou os longas O Amuleto (2015) e Correndo Atrás (2018). Sua carreira se estendeu para as séries televisivas, dirigindo 26 episódios de Pedro e Bianca (2013), exibida na TV Cultura pela qual recebeu o Emmy Kids Awards e o Prix Jeneusse Iberoamericano. Igualmente, dirigiu a série Condominio Jaqueline, exibida na Fox e TV Cultura, e dirigiu a sexta temporada da série Conexões urbanas para o Multishow.

Em M-8: Quando a morte socorre a vida, Maurício, único negro na sala, vai ganhando a simpatia de Susana (Giulia Gayoso) e Domingos (Bruno Peixoto), dois colegas de turma de classe média alta que lhe dão carona e o convidam para estudos e lazer. A mãe, enfermeira, trabalha para o aristocrata Salomão que demonstra grande carinho por Maurício. O chamado para o engajamento na causa de jovens negros assassinados ou desparecidos se dá numa das várias passagens de Maurício por manifestações de mães contra o genocídio de seus filhos, na ocasião recebe de uma mãe um panfleto. A estatística é cruel: dos 30 mil jovens mortos por homicídios, 77% são da raça negra.

Dos pesadelos com seu próprio cadáver e das suas estranhas visões ao chamado à luta, o estudante parte para a ação. A ideia fixa de saber sobre os corpos usados nas aulas de anatomia vai persegui-lo na sua jornada de tentar enterrar um dos corpos e livrá-lo do destino de ser enterrado numa vala comum. A associação entre o fato dos cadáveres doados à faculdade serem negros em sua maioria e o grande número de mortes de jovens negros move a sua linha de investigação. Com a ajuda de Susana, com quem se envolve afetivamente, e o colega de classe e amigo Domingos, Maurício vai percorrer a via crucis da burocracia do serviço público e o calvário de sentir na pele o preconceito e a violência institucionalizada numa sociedade secularmente escravocrata.

Jeferson De homenageia em M-8, com uma direção segura já revelada em obras anteriores, uma galeria de atrizes e atores negros que abriram o árduo caminho para a nova geração, a exemplo de Lea Garcia, Zezé Motta, Mariana Nunes, Dhu Moraes, Tatiana Tibúrcio, Ailton Graça e Lázaro Ramos, demonstrando que seu “Dogma Feijoada” não se limita a mandamentos aprisionados a uma folha de papel. Seu cinema, visceral, não-panfletário, está imbricado à sua própria história, a seu lugar de fala tão reivindicado por diversas minorias. A propósito, o M-8 do título do filme se refere ao cadáver que cabe a Maurício dissecar e que deseja resgatar da vala comum, destino final dos corpos indigentes. No final, Jeferson De constrói uma das mais belas e comoventes cenas do cinema brasileiro contemporâneo.

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