A vida não avisa o seu final. Por mais próximo ou longínquo que possa estar, ele simplesmente chega, descortinando a inevitabilidade da morte, impotências, dores e também culpas. Aos que ficam e perderam entes queridos, restam o direito e necessidade de vivenciar seus lutos, de forma única, distante de patrulhamentos ou modelos prontos. Se possível, com a ajuda e solidariedade de uma rede de apoio.
Cada pessoa precisa ter a oportunidade de sofrer, elaborar e ressignificar tais perdas, sejam de amigos, namorados, cônjuges e familiares em geral. Não se trata de tarefa fácil, por ser um processo que inclui várias fases, passando da negação à revolta; da tristeza profunda e isolamento à aceitação.
O inconsciente guarda boa parte dos comportamentos e crenças relativos à finitude humana. Geralmente vista como o mais grave de todos os infortúnios, a morte encarna temores, incertezas e sofrimentos também responsáveis por sentimentos de culpa e negação. Para o criador da psicanálise, Sigmund Freud, as próprias crenças em vidas anteriores e reencarnação constituem produtos da negação.
Ao menos no inconsciente seríamos então imortais, ante impossibilidade de prever a própria morte, senão no lugar de espectador? Freud revela que sim. “No inconsciente, cada um de nós está convencido de sua própria imortalidade”. Nessa esfera, o tempo parece não operar cronologicamente.
Imagina aos 26 anos, como aconteceu com a cantora Marília Mendonça, no auge da carreira artística, pouco depois de retomar agenda de shows, após pausa para maternidade, seguida pelo momento pandêmico. Era final de 2019 quando ela anunciou, em tom emocionado, parada estratégica para uma das melhores esperas: o nascimento do filho.
Retornaria assim que a vida permitisse, na pele de nova mulher, como costuma acontecer com as mães, celebridades ou não. Nada a ver com estereótipos de beleza, gordofobias e preconceitos diversos. Admire ou não o seu estilo musical, a musa da sofrência enchia mesmo o palco era de vitalidade, carisma e dom de empolgar multidões.
Ela não sabia, mas a morte estava à espreita, acompanhando o show da vida. Naquela fatídica tarde de sexta-feira (5 de novembro), o avião que a transportava, juntamente a membros de sua equipe, rodopiou e atingiu uma torre de distribuição de energia elétrica no interior de Minas Gerais.
Sem avisos ou piedade, a morte saiu da sombra, arrebatando sonhos e esperanças.
Sentimentos mortais e gelados pairaram no ar, em meio ao silêncio ensurdecedor, manifestado na forma de clamor nacional. De fato, como diria o escritor mineiro Guimarães Rosa: “Viver é muito perigoso”. E não precisamos mesmo saber de tudo que nos aguarda.
Afinal, aceitar o real pode ser dilacerante, principalmente quando o destino teima em tirar, à força bruta, aqueles que mais amamos. Sem deixar chances para o estabelecimento de qualquer relação, todas as pontes são destruídas.