Eleições a toque de caixa e por plataforma virtual
A UEPB fará suas eleições ao cargo máximo da Universidade a toque de caixa e, acreditem, por plataforma virtual.
O calendário eleitoral é o seguinte: no último dia 23 de maio as chapas foram homologadas. No dia 13 de junho é a votação. Mas como se não bastasse o tempo exíguo, lembremos que no dia 30 de maio, uma quinta feira, teremos um feriado. Ao fim e ao cabo, tudo indica para uma política antidemocrática, pois: a) não há tempo razoável de debates, sejam eles públicos, em rádios e outros meios de comunicação, sejam eles no interior da instituição (oficialmente só está previsto um debate); b) é humanamente impossível que uma chapa de oposição consiga visitar 8 campi da UEPB (do sertão ao litoral), indo às suas salas de aula, laboratórios, bibliotecas, almoxarifados, quadras, restaurantes, setores de comunicação e outros, encontrar, escutar e debater com boa parte dos docentes, técnicos e alunos.
Como se não bastasse, as eleições serão online, em que pese a pandemia ter acabado, em que pese a UFPB ter realizado recentemente suas eleições com as urnas eletrônicas do Tribunal Regional Eleitoral, em que pese estar em curso uma ação na Justiça sobre as eleições passadas na UEPB.
Um grupo que se perpetua no poder há décadas
Um dia depois das últimas eleições à Reitoria da UEPB, em 2020, alguns professores se reuniram. Um dos professores, que está na UEPB há muito tempo, ponderou: “estou convencido que a oposição não consegue ganhar na UEPB, não adianta”. A história foi sendo contada e recontada, as reitorias esmiuçadas, desde a estadualização da UEPB em 1987.
O fato é que um agrupamento político-partidário sempre esteve nas gestões. Assumiram várias vezes a vice-reitoria, algumas pró-reitorias, até que, desde os últimos 20 anos (isso mesmo! 20 anos!) assumiram sempre a cabeça, a direção da universidade, a reitoria. E talvez continue sendo assim por mais 16, 32 anos, quem sabe? A situação é grave e precisa ser pensada. Impõe-se a pergunta: vivemos sob um regime democrático na UEPB?
Ciência Política e postulados da democracia
Precisamos, de início, informar a sociedade e os poderes públicos de que não há alternância de poder na UEPB: as forças de oposição nunca saíram vitoriosas nas urnas. Acumulam-se, portanto, mais de décadas em que a “situação” governa a UEPB. Antes de tudo, na seara da ciência política, cumpre destacar algumas cláusulas pétreas da Democracia para nossa análise.
Além do voto (marco e fato estrutural do regime democrático), considera-se a “alternância do poder” como um dos fundamentos e característica da Democracia. Ideia conexa à “alternância do poder” está a “oposição” ou os “grupos de oposição”, que se prestam a propor novos paradigmas de governo e administração e fomentam o debate crítico em prol da democracia e de um bem comum. Segundo um dos maiores clássicos sobre o tema da Democracia na Ciência Política, “A Poliarquia”, de Robert Dahl, “a oposição, a rivalidade e a competição entre o governo e seus antagonistas é uma faceta importante do processo democrático”. Nesta linha de raciocínio, de acordo com Tarcisio Neto, o fenômeno da oposição é de “marcada relevância para a operacionalização plena da fórmula democrática”.
Dahl entende que uma democracia pode ser caracterizada como uma “hegemonia fechada” ou uma “oligarquia competitiva”. Estes tipos, modelos, como podemos enquadrar a UEPB, ocorrem quando o debate público, o direito a participar, a liberdade de expressão, a alternância de poder, é diminuto ou tolhido. Do outro lado, Dahl criou o termo “poliarquia”, para denotar regimes democráticos em que certas condições básicas de oportunidades e de liberdade ocorrem plenamente.
Radicalizando os termos, podemos considerar que um regime em que a oposição não se torne governo, por mais de três ou quatro décadas, não seja apenas uma democracia de hegemonia fechada, mas, talvez, a própria democracia esteja em questão. Para Adam Przeworski, no livro “Crises da Democracia”, a democracia é “um arranjo político no qual as pessoas escolhem governos por meio de eleições e têm uma razoável possibilidade de remover governos de que não gostem”.
E aqui está outra questão que desta decorre: a oposição não ganha por quais motivos?
Um “sistema político” perverso?
Parece que o “sistema político” criado pela Reitoria simplesmente impede a oposição de sair vitoriosa. Destarte, é praticamente impossível haver uma alternância de poder na UEPB. Podemos dar alguns exemplos de como esse sistema foi se estruturando ao longo dos anos.
Em primeiro lugar, precisamos atentar para a quantidade de cargos comissionados que a Reitoria criou e dispõe. Atentemos apenas para o primeiro escalão. A UEPB possui 11 pró-reitorias. Qual o impacto político, em termos eleitorais, que estes cargos ocasionam? É preciso registrar, para que se faça a justa comparação, que a UFPB dispõe de 8 pró-reitorias. Não obstante, a UFPB possui mais de 10 mil alunos que a UEPB. A UFCG, por seu turno, possui 5 pró-reitorias. Como se não bastasse, na UFPB e na UFCG nenhuma possui o cargo de pró-reitor adjunto. Na UEPB? Todas! Todas as 11 pró-reitorias possuem pró-reitores adjuntos.
Cargos de primeiro escalão nas
Universidades públicas paraibanas |
Matrículas | ||
Universidades | Pró Reitorias | Pró Reitorias Adjuntas | Alunos matriculados |
UFPB | 8 | 0 | 33.000 # |
UFCG | 5 | 0 | 13.615 * |
UEPB | 11 | 11 | 19.919+ |
Fonte: sites institucionais das três universidades
* Dados de 2023.2. https://pre.ufcg.edu.br/pre/
# Dados de 2022. Manual do estudante, https://www.ufpb.br/ufpb/contents/documentos/manual-do-estudante/manual-do-estudante-17-08.pdf
+ Dados de 2023. https://transparencia.uepb.edu.br/institucional/dados-institucionais/dados-gerais/
A quantidade de cargos comissionados na UEPB, com suas altas gratificações, extrapola o limite do razoável. Além disso, a estrutura organizacional, assessorias e coordenadorias na UEPB é pujante. A conta é altíssima.
Além disso, a contar pelo Estatuto da UEPB de 1997, tínhamos 18 órgãos no âmbito da gerência superior e de assessoria especial superior. Ao longo dos anos, em especial das últimas gestões, a UEPB foi criando órgãos e respectivos cargos. Temos hoje 42 órgãos, todos eles com seus cargos.
Por outro lado, os campi da UEPB fora de Campina Grande estão atrelados de uma forma perversa à administração central. Não há um mínimo de autonomia financeira, ao contrário de inúmeras universidades estaduais e federais (com seus campi em cidades fora da sede). A compra de um ar-condicionado, sua manutenção, o pedido de um ônibus para alunos irem a um seminário ou congresso, dentro ou fora da Paraíba, tudo passa pela Reitoria e Campina Grande. Novamente: a lógica, no linguajar ordinário, do “pires na mão” e do “toma lá dá cá” persiste na UEPB. Essa lógica política perversa, centralizadora e clientelista, vem corroendo não só as bases da democracia, mas a própria eficiência administrativa e de gestão.
Por esses exemplos, parece claro a existência de uma cultura e de um sistema patrimonialista e clientelista. Estamos a observar a proeminência, na conceitualização de Oliveira Vianna, de um verdadeiro “clã político”, que a partir da burocracia pública universitária pratica uma gestão que visa única e exclusivamente a sua manutenção no poder.
Considerações finais
Imersos em debates das mais distintas ordens sobre a Democracia na contemporaneidade, este texto objetivou trazer este tema na UEPB. Procuramos trazer algumas questões sobre a Democracia (sua falta ou déficit), levantando algumas teses. Fizemos isso a partir do conhecimento histórico e conceitual de muitos professores e professoras da UEPB e de alguma literatura da Ciência Política.
O intuito foi propiciar o debate sobre a Democracia na UEPB, desvelando práticas que atentam contra esse princípio que deveria reger a todos, em especial uma instituição pública de ensino superior. A defesa da universidade pública, com qualidade e inclusão, e em sintonia com os desafios concretos de desenvolvimento multidimensional da sociedade, passa por uma revisão de práticas nocivas à democracia que tem corroído as estruturas acadêmicas e científicas da UEPB e causado malefícios à sociedade paraibana como um todo. É fundamental repensar nossas estruturas e atuações de maneira que possamos nos tornar verdadeiros parceiros da sociedade civil e poderes públicos do Estado, cumprindo com nossa missão fundacional com o efetivo zelo e responsabilidade que se espera.