Nelson Barros

Nelson Barros é psicoterapeuta e escritor.
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Tempos de Violência

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Sempre foi assim, e a gente não via?

Uma piada de péssimo gosto, no tempo em que a expressão “politicamente correto” ainda não existia, contava de um homem que havia sido preso porque batia na mulher. Na cadeia, argumenta com o delegado:

– Doutor, eu tô sendo preso porque estava “dando” na MINHA mulher. Se fosse na mulher dos outros, eu até compreendia…

Na casa da minha avó, tinha uma palmatória. Para quem não sabe o que é, eu explico: uma espécie de colher de pau, plana, para castigar meninos malcriados com pancadas nas palmas das mãos. O “infrator” tinha que ficar quieto, oferecer a mão e ainda ouvir que aquilo estava acontecendo para o seu próprio bem. Era violência física e humilhação em nome de uma criação adequada dos filhos.

Uma reportagem do programa Fantástico, nos não tão longínquos anos de 1980, sobre casos de agressão física e assassinatos de homossexuais, mostrava depoimentos de pessoas afirmando que aquelas pessoas mereciam, sim, ser espancadas e até mesmo mortas. Gente do bem como você e eu.

Uma conhecida da minha mãe ficou sabendo que o marido tinha uma “rapariga”. Descobriu onde a moça morava, uma casa simples num bairro mais afastado, colocou gasolina nas laterais da casa e ateou fogo. Foi aplaudida pelos vizinhos.

– Fez muito bem. Pena que a safada escapou, era a voz geral. Defensores da tradicional família brasileira são assim.

Um filme de celular viralizou nas redes, mostrando uma mulher humilhando uma família de negros, que, segundo ela, não tinha o direito de frequentar aquele tipo de lugar e que eles estavam “sujando” o ambiente. Vocês lembram disso, não? Negro quando não suja na entrada, suja na saída.

Em Recife, a torcida de um time ataca a pauladas um grupo de rapazes do time adversário. As cenas são chocantes.

Nem vou continuar com exemplos. Sei que, enquanto lê este texto, cada leitor se lembrará de um ou muitos episódios semelhantes de violência contra mulheres, gays, pretos, pobres, nordestinos, torcedores de outro time ou eleitores de outro candidato.

Às vezes, me pergunto se essa violência aumentou ou se sempre existiu, e as lentes das redes sociais apenas passaram a mostrar isso com mais frequência.

Penso que sempre existiu. Acho até que houve um momento em que tentou se construir, infelizmente sem tempo suficiente para que isto se solidificasse, um novo (novo aqui é apenas retórica) comportamento ético, no qual a violência não poderia mais ser tolerada. E, na verdade, não pode.

Os acontecimentos atuais apontam para uma realidade preocupante.

Escutei esses dias de um parente:

– A gente já pode voltar a fazer piada com negro.

E, num texto absurdo, um homem reclama que, graças ao governo passado, o patrão não tem mais direito de “comer a empregada” (desculpem-me por isso), romantizando o fato de que, inclusive, essa era a forma como os rapazes “de família” iniciavam-se na vida sexual.
A permissão para compra de armas está mostrando resultados. Brigas no trânsito que podiam ser resolvidas com um ou dois palavrões, discordâncias políticas ou “acidentes” domésticos envolvendo crianças.

Armas na mão de pessoas estressadas e despreparadas, crias de uma sociedade egoísta e imatura. Adultos que se comportam como meninos mimados que não aprenderam a dividir a bola, que não suportam ser contrariados, que não aprenderam a perder no jogo com alguma dignidade.

Precisamos falar sobre isso. Muito. Uns mais que os outros, mas todos estamos correndo risco. E não é para ser assim.

Trilha Sonora:
Santa Bárbara – Fátima Guedes
De frente pro crime – João Bosco e Aldir Blanc
Give a peace a chance – John Lennon

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