Pássaros que vivem em cativeiro têm dificuldades de voltar à natureza. O mais indicado é fazer com que eles passem por um processo de readaptação para que reaprendam o hábito “original” de viver longe das gaiolas.
No Brasil, em 1984, voltamos a experimentar a democracia depois de três décadas sob o comando dos generais. A memória desta época parecia remeter apenas ao chumbo dos atos institucionais, aos “desaparecimentos”, aos “suicídios” que disfarçavam assassinatos, ao choro das mães que procuravam seus filhos, gente que nunca mais voltou…
Parecia mesmo que só tristeza e dor vinham da época da ditadura. Poucos se referiam a essa época como sendo um tempo de “revolução”.
Até que surgiu Jair Bolsonaro, homenageando o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra em pleno julgamento do impeachment de Dilma Rousseff. De lá para cá, um dos mais terríveis torturadores do Brasil ditatorial passou a ser “cult” e estampar camisetas. “Ustra vive”. Li isso em uma camiseta de um mancebo que passou perto de mim no Centro de João Pessoa.
O pavor que me gera o elogio ao torturador me fez prestar atenção especial em cada discurso que defende Jair Bolsonaro. Tentando deixar de lado minhas convicções pessoais, entendi que o eleitor do PSL quer mudança e que ele também tem horror ao PT, considerado por ele como o responsável pela crise política e, principalmente pela corrupção que assola o País.
Entendo cada argumento, mas ainda assim, não consigo aceitar que em nome da rejeição a um projeto ineficiente de governo, prefiramos um governante que despreza mulheres, discrimina negros, prega a violência como “cura” para os LGBT e o armamento dos cidadãos para combater a insegurança.
Mais do que isso, não tolero alguém que homenageie um homem capaz não somente de comandar sessões de tortura como de fazer com que os filhos das vítimas, crianças, assistissem aos crimes.
Fake News? Adoraria que fosse ficção.
Agora, depois de eleito, Bolsonaro disse que defenderá a Constituição e a Liberdade. Resta esperar que tudo que ele disse fosse apenas uma bravata eleitoral. Uma receitinha aprendida para captar o voto de quem esperava radicalidade e sonhava com gaiolas por temer o voo livre.