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Povos originários e a urgência de políticas públicas decoloniais na Educação

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Se a colonização, do ponto de vista jurídico-formal, terminou em 1822, o mesmo não se pode dizer da “colonização mental” (“coloniaje mental”, termo cunhado pelo peruano Haya de La Torre no início do século passado), que permanece até os dias de hoje. Neste mês, em que se comemora o “Dia do Índio”, o tema da colonização mental e sua desconstrução merece destaque.

A colonização mental é, em simples termos, a introjeção psíquica e cultural, numa sociedade, de um sistema de valores eurocêntricos pautados por uma supremacia civilizacional; em que o “branco-europeu”, sua cultura e epistemologia, está em uma escala de valores acima dos povos originários e também dos povos e culturas afrodescendentes. Este sistema de valores é alçado a ter um estatuto de verdade e, via de regra, não é questionado.

A questão é tão grave que foi só em meados do século XX que as teses evolucionistas das sociedades foram criticadas e suprimidas academicamente. Lembremos do clássico “As estruturas elementares de parentesco”, de Levi Strauss, publicado em 1949, quando o autor rompeu com a dicotomia antes aceita pelos antropólogos de sociedades “lógicas” e “pré-lógicas”, mostrando a existência de uma lógica própria e sofisticada nas sociedades indígenas. Essa tese magistral concluiu-se com a publicação do livro “O pensamento selvagem” de 1962”. (Cumpre lembrar que seus livros e reflexões intelectuais foram em grande medida devedoras do Brasil, já que Levi Strauss lecionou quando jovem na Universidade de São Paulo. Nesta época ele pesquisou e conviveu com os “Kadiweus”, tribo que se situa na fronteira do Brasil com Paraguai, e os “Bororos”, estes do Mato Grosso do Sul. Ele regressou ao Brasil posteriormente, também nos anos 30, e visitou os “Nhambiquaras” do Mato Grosso e os “Tupi-Kawahib” no Amazonas.)

As compreensões mentais coloniais – extremamente violentas – de que os nativos (bem como os negros) não tinham alma e/ou necessitavam de uma catequização para se salvarem ou redimirem, enquanto indivíduos e povos, permanecem nas manifestações psíquicas e culturais atuais, ainda que tenham adquirido novas maneiras de exteriorização. No caso da temática indígena as expressões de que “os indígenas são preguiçosos” ou “isso é programa de índio”, denotam a atualidade de que esse pensamento colonial permanece vivo.

Para ilustrar com alguns exemplos essa mentalidade colonial basta-nos citar algumas frases de Jair Bolsonaro, hoje, infelizmente, presidente do Brasil. Em 1998 ele disse: “Pena que a cavalaria brasileira não tenha sido tão eficiente quanto a americana, que exterminou os índios” (Correio Brasiliense, 12 de abril 1998). Em 2017, já em campanha presidencial ele enunciou: “Pode ter certeza que se eu chegar lá (Presidência da República) não vai ter dinheiro pra ONG. Se depender de mim, todo cidadão vai ter uma arma de fogo dentro de casa. Não vai ter um centímetro demarcado para reserva indígena ou para quilombola.” (O Estado de São Paulo, 3 de abril de 2017)

Já eleito, o presidente proferiu: “O índio é um ser humano igualzinho a nós. Quer o que nós queremos, e não podemos usar o índio, que ainda está em situação inferior a nós, para demarcar essa enormidade de terras (…). Justifica, por exemplo, ter a reserva ianomâmi, duas vezes o tamanho do estado do Rio de Janeiro, para talvez, 9 mil índios? Não se justifica isso aí” (G1, 30 de novembro de 2018).

Ora, uma vez demonstrada a existência dessa colonização mental, que é uma expressão extremamente violenta, o que podemos fazer e pensar nos marcos de um processo político decolonial necessário?

É preciso combater essas violências estruturais da colonização a partir de uma série de políticas públicas – nas três esferas federais -, mas, por ora, nos centraremos nas políticas educacionais e em uma necessária reforma teórico-prática educacional.

Em primeiro lugar, embora tenhamos tido avanços significativos nos currículos escolares, é preciso dizer que, por um lado, ainda é preciso avançar muito para descontruir a ideia de que os povos indígenas estão e são “distantes” de nós. Desmistificar a ideia que se trata meramente de “outros”. Se desde uma perspectiva são “outros”, “alteridade”, ao mesmo tempo também são “eu-mesmo”, “nós”. Ou seja: carregamos em nosso sangue, DNA, cultura, os povos originários. Nesse sentido, há uma grande reforma a se operar na Educação, não apenas curricular, mas na formação de professores, produção de material didático, dentre outros.

A questão é, para citar Roberto Gambini (“O espelho índio: a formação da alma brasileira”), que precisamos, de uma vez por todas, de parar de negar nossa Mãe, e, por tanto, nossa alma e ancestralidade. Esse é um processo de decolonialidade dos mais significativos: pois o índio não é um “outro”, é minha própria mãe e, desde logo, sou “eu”. Esse olhar para o espelho, sem negarmos nossa mãe ancestral gerará uma verdadeira revolução individual e coletiva, com impactos promissores para o devir-Brasil.

Nesta esteira, algumas práticas pedagógicas, que já ocorrem na educação escolar indígena, poderiam servir de exemplo para todas as escolas, do ensino infantil ao médio. Trata-se de fazer emergir uma outra epistemologia de, por exemplo, entender e se comportar com a Natureza. É chegada a hora de aprendermos com as tradições e culturas milenares de que há uma relação outra que podemos estabelecer com a Natureza. Aqui emerge algumas epistemologias ameríndias que partem da ideia e prática da cosmointegração com a Natureza, rompendo com os dogmas clássicos positivistas, da ciência hegemônica, que cinde Natureza e Cultura, que nos distancia de nós mesmos, ao estabelecer uma cisão entre “sujeito” (homem) e “objeto” (natureza).

Por fim, já passou da hora de contarmos com professores indígenas. Infelizmente a carreira de professor indígena é realidade em pouquíssimos estados, muito embora muitos deles – como o nosso – o tenham como meta em seus Planos Estaduais de Educação (que são Leis estaduais). Não obstante, temos que ir mais além, já que essa carreira é prevista para ser efetivada apenas nas Escolas Indígenas. Para um processo de descolonização dos valores, e para a promoção de uma cultura de direitos humanos, e para o avançar científico (que tende a encontrar no diálogo de saberes a chave para as inovações), é chegada a hora de entendermos que necessitamos de professores indígenas em todas as escolas, não apenas nas Escolas Indígenas. E isso deve se aplicar também ao Ensino Superior.

Essas são algumas políticas, de cunho decolonial, que poderiam honrar os povos originários, detentores de saberes e epistemologias extremamente sofisticados. Esses saberes poderiam contribuir enormemente com um Brasil mais conhecedor de si, mais potente, e mais respeitador dos direitos humanos.

 

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