A confiança é um sentimento em extinção. As amizades duradouras, um mistério. A cumplicidade, um enigma com prazo de validade. As vantagens econômicas, os maiores traidores das parcerias. A vaidade, a grande ameaça do respeito. E a inveja, a destruidora-mor dos laços afetivos.
Temporários, provisórios, circunstanciais, elos que nascem no ambiente de trabalho, de relações de hierarquia, de subordinação, que são cultivadas sem bases sólidas em valores e princípios, possuem força para resistir ao tempo, às opiniões divergentes, às mentalidades diferentes, e aos estilos de vida antagônicos?
Desvendar a consistência, a persistência e a continuidade das raras amizades de 20, 30 anos de existência é um grande mistério da humanidade, vez que, regras básicas de civilidade que garantiriam uma convivência harmoniosa entre pares, colegas ou conhecidos é já algo bastante complicado nos últimos tempos. Amizades genuínas sem interesses pessoais existem?
O termo ‘meu amigo” é bastante popular. O mecânico é seu amigo, o freguês é seu amigo, o vizinho de porta é seu amigo, o chefe é seu amigo, o candidato é seu amigo, mas aquele para partilhar as angústias, os problemas, as decepções, que guarda segredo, que lhe estende a mão, que torce e vibra com cada conquista, que permanece ao seu lado ao longo dos anos independente da distância, das diferenças sociais e econômicas, da constância, que resiste aos caminhos tortuosos da vida, você realmente tem?
Acredita-se que a decepção, a traição, a perda, a desconfiança, fazem parte da vida e da natureza humana, mas quais são os nossos limites, o quanto se deve suportar de uma ‘amizade’? A traição é superável? A deslealdade tem reparação? Voltar à confiar é possível?
A aproximação por admirar a trajetória, por ver no caminhar do outro boas ações, bons exemplos, e não vantagens, por sentir que aquela cumplicidade traz sorrisos, aprendizagem, conhecimento, inspiração, e não proveitos, deveria ser o padrão, a regra, a motivação para permanecer perto, mas o mundo capitalista se apresenta em um modo tão acelerado, sem freio, sem piedade, as pessoas a cada dia se tornam tão mais individualistas, que a destruição em massa dos laços mais sinceros é inevitável e o melhor do ser humano está desaparecendo como um passe de mágica.
É impossível o controle sobre as atitudes, condutas, intenções ou sentimentos do outro, contudo, semear, cultivar e doar os mais nobres valores e propósitos é algo que gratuitamente se pode oferecer ao universo, a aquele que está ao nosso lado diariamente, aos que passam por nós, aos que ficam, as pontes com alicerces sólidos e duradouros precisam de dedicação e suor para serem construídas.
Culpar o outro é bem mais fácil do que refletir sobre a possibilidade de uma autoavaliação, do que olhar pelo retrovisor e observar com atenção a própria história, as próprias condutas, as falhas, as falas, e as teses de defesa de sua própria autoria que camuflam os jogos de poder, as más intenções, o egoísmo.
Em tempos de ganância exacerbada, do culto à vaidade, do ter e não do ser, compreender quem realmente está ao nosso lado pelo que somos e não pelo que temos a oferecer, é um presente dos céus, valorize e cultive a lealdade, quem compreende o real significado do respeito, do carinho, da consideração, é realmente um bem precioso.