Em conversa recente com amigos nas redes sociais, refleti sobre uma prática cada vez mais recorrente no cenário cultural contemporâneo: o surfe nas ondas do sucesso alheio. Explico: ao invés de buscar sua própria identidade estética, alguns artistas estão investindo em ser notados por outros com mais seguidores nas redes, o que parece ser o principal indicador de sucesso na atualidade.
Claro que o artista tem que ter liberdade de conduzir sua carreira e seu repertório como achar mais estratégico e interessante para sua própria proposta, mas penso que um mínimo de fidelidade a si mesmo deveria ser um requisito a ser considerado. Na busca por views, likes e collabs (correspondentes cibernéticos para visualizações, curtidas e parcerias), atira-se para qualquer lado, mesmo fugindo completamente daquela seara que poderia ser o porto seguro do artista.
Nada contra releituras, evidentemente. Mas vê-se, por exemplo, funkeiros cantando MPB e vice-versa, sertanejos universitários emulando forró estilizado (aliás, onde esses estilos se diferem mesmo?), humoristas investindo no gospel e até um cantor que se autointitula “Príncipe do Samba” canta um hit que lembra o romântico com um pé no sertanejo. Uma miscelânea que sai de lugar algum e não leva a lugar nenhum.
Como trabalho diretamente com cantores, observo os critérios utilizados por eles para definição de seus repertórios. Na esmagadora maioria dos casos, a setlist é formada por músicas que estão estourando nas plataformas digitais. É natural pensar que, se uma música faz sucesso, ela se torna referência para outros cantores. Mas já vi uma canção ser descartada por um cantor, alegando não ter gostado dela, tê-la achado feia, inadequada, e, ato contínuo, esse mesmo cantor mudar diametralmente de ideia, após a mesma música hitar num reality show musical de muita audiência na TV. O que mudou não foi a música, e sim os números de acesso e, com isso, a percepção do cantor sobre ela.
Defendo que todos os cantores, todos os gêneros musicais, todos os estilos, enfim, devem ter seu lugar ao sol. O que penso é que os artistas precisam apurar seu senso estético, dando oportunidade a ouvir e selecionar para seu repertório músicas que estejam além das fronteiras do mainstream. Vale o exercício.