Carlos Ruiz

Carlos Enrique Ruiz Ferreira é mestre e doutor pelo Departamento de Ciência Política da USP; pós doutor pelo Departamento de Filosofia da USP; professor doutor associado de Relações Internacionais da UEPB. Atualmente é coordenador geral do Centro de Estudos Avançados em Políticas Públicas e Governança (CEAPPG) e coordenador do curso de Relações Internacionais da UEPB
Carlos Ruiz

O MST e a Democracia

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Em qualquer sociedade verdadeiramente democrática, na qual os valores supremos são os direitos humanos e o combate às assimetrias sociais (resultantes de uma violência estrutural, colonial, de classe, raça, gênero, entre outras), o Movimento dos Trabalhadores/as Rurais Sem Terra seria não apenas respeitado, mas celebrado com as máximas honrarias de um Estado.

Vamos partir de algumas teses científicas muito simples: (Tese A) Não há Democracia (com “D” maiúsculo) sem Reforma Agrária. A Reforma Agrária compreende uma série de concepções histórico-políticas muito claras. Primeiro, do ponto de vista político e econômico, os movimentos camponeses partem da concepção de que a liberdade não tem início exclusivamente com o fim da escravidão. Se o término da escravidão foi um fenômeno essencial para a construção da democracia, não se pode descuidar que o trabalho assalariado no campo significou apenas uma transmutação de privilégios em que os senhores da aristocracia, que adentravam no mundo do liberalismo, continuavam detentores da terra, fazendo os homens e as mulheres trabalharem para eles por praticamente nada em troca. Vem daí, uma concepção obviamente mais democrática de liberdade, atrelada ao conceito de igualdade. Não poderia haver liberdade sem uma igualdade de direitos, e isso se refletia substancialmente na conquista de direitos econômicos. Então, a partir de uma mais justa redistribuição de terras, os conceitos centrais de uma democracia foram se aprimorando na prática e os movimentos camponeses possuem papel central nesta história.

(Tese B) O MST é o movimento brasileiro que mais promoveu, a partir de suas lutas, a reforma agrária no país. Desde sua fundação, o MST realiza ocupações de terras improdutivas e, nos últimos anos, vem provando que seus assentamentos são extremamente relevantes do ponto de vista do desenvolvimento sustentável, tendo como eixo central a produção agroecológica (em sintonia com a Agenda 2030 da ONU, os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável). Com a promoção da Reforma Agrária o MST tem auxiliado na diminuição das desigualdades estruturais brasileira, ajudando o Estado a cumprir, inclusive, com seus preceitos constitucionais (no que tange à dignidade humana, em particular com a moradia e o trabalho, dentre outros)

Logo, tertius non datur: Tese A + Tese B = o MST é um dos movimentos sociais que mais contribuiu e contribui para a democracia brasileira.

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que ora se anuncia é, portanto, mais uma das vergonhas nacionais que possivelmente legaremos para a nossa triste história e para o mundo. Nada de novo no front, a Casa Grande e o grande capital direcionado pela métrica neoliberal, parceira e submissa aos interesses do Tio Sam, não suporta a democracia nem os direitos consagrados na Constituição Federal de 1988.

Precisamos de uma vez por todas entender – e isso passa pelo principal nó górdio de uma sociedade, que é a Educação (ver: https://aterraeredonda.com.br/os-desafios-da-educacao/ ) – onde de fato estão os problemas, ou melhor, os crimes. Não há crime em ocupar terras improdutivas, pelo contrário, há uma contribuição para a democracia. O crime, ou aquilo que está errado, reside na existência de enormes propriedades de terra sem cumprimento de sua função social (ver artigo 184 da Constituição Federal). Não há nenhum sentido, constitucional e dos direitos humanos, para que persistam grandes latifúndios improdutivos e que pessoas não tenham onde morar, onde plantar, sem condições mínimas de sobrevivência. Ou essa lógica fica clara ou não teremos uma sociedade democrática. Simples assim.

A CPI ora proposta é um ataque à democracia, mais uma tentativa de criminalizar os movimentos sociais e desviar o foco dos verdadeiros problemas e crimes cometidos contra o meio ambiente e os direitos humanos. Crimes estes cometidos por uma parcela que comanda o agronegócio no Brasil e que antes estavam protegidos pelo infame governo que tivemos depois do golpe contra a presidenta Dilma Rousseff. O que querem é continuar a desmatar indiscriminadamente e contaminar a nossa comida com agrotóxico gerando uma catástrofe de doenças.

O MST e as forças progressistas e democráticas não se curvarão a mais essa forma de intimidação e seguirão lutando para que um outro mundo seja possível.

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