O cidadão de bem é contra o aborto. Mas é a favor da pena de morte.
O homem do bem pode até não aprovar o aborto, mas pensa sobre as consequências de uma gravidez indesejada, do peso que recai sobretudo sobre a mulher, sabe que essa deve ser uma decisão dela. E sabe que, pra ela, não será uma decisão fácil.
O cidadão de bem acha que sua religião é melhor que a religião dos outros. Acha que vale até matar em nome de Deus (oi?). O homem do bem pode ser católico, budista, evangélico, da umbanda, do candomblé ou ser ateu. Mas respeita as crenças religiosas dos outros.
O homem do bem pode ser de direita, de esquerda, de centro. O cidadão de bem divide as pessoas em dois grupos, usa adjetivos pejorativos (que não vou nem repetir) para ambos. Tem pouco conhecimento histórico e espalha ódio.
O cidadão de bem ‘até tem amigos gays’. O homem do bem não precisa ser amigo para respeitar as diferenças.
O cidadão de bem acha que pode aplicar a lei com as próprias mãos. Briga no trânsito, amarra menino marginal em poste, desconfia de negro, acha que bandido bom é bandido morto.
O homem do bem é pacífico.
O cidadão de bem é contra a corrupção.
O homem do bem, também.
(E com relação a esta questão, particularmente, me pergunto se os dois não estão cometendo as pequenas e grandes corrupções da vida cotidiana: furar fila, estacionar em vaga de idoso, jogar lixo na rua, pequenos subornos… que vão aumentando até esse ponto insuportável onde chegamos).
O cidadão de bem acha que mulher que usa saia curta tem culpa de ter sido estuprada. Que deve ganhar menos que o homem porque menstrua, engravida e falta ao trabalho pra cuidar dos filhos, que por acaso são também filhos de algum cidadão de bem.
O homem do bem sabe que mulher e homem devem ter igualdade de direitos e pronto.
O homem do bem sabe da luta e sofrimento históricos dos negros por igualdade, por dignidade.
O cidadão de bem acha que é ‘mimimi’.
O homem do bem não necessariamente ama, mas respeita o próximo, entendendo próximo como qualquer ser humano, bicho ou planta. O cidadão de bem ama o próximo. Sendo que pra ele o próximo é só quem está dentro dos limites do seu ‘quintal’. Quando ele bota o som nas alturas, nos churrascos de fim de semana, o próximo incomodado que se mude.
O cidadão de bem sente-se no direito de ditar suas regras para a vida alheia.
O homem do bem sabe que cada pessoa do bem tem seu corpo, suas regras.
E com isso fica ‘de boas’.
NB