Nelson Barros

Nelson Barros é psicoterapeuta e escritor.
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Música&Poesia

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Numa dessas tardes tipicamente nossas, quando amigos se encontram para beber, comer, papear e ouvir música (que é um dos meus programas favoritos), num dado momento, estávamos escutando Maracatu Atômico. Não a versão mais recente de Chico Science, que trouxe de volta essa música dos anos 70, mas a versão cantada por Gilberto Gil. Paramos por causa da letra. Alguém comentou: que palavras lindas… todo quadro negro é todo negro, é todo negro. E eu escrevo seu nome nele só pra demonstrar o meu apego. Essa música, na verdade, é cheia dessas belezas. A chuva que tem gotas tão lindas que até dá vontade de comê-las é um delírio de lindeza.

Começamos, então a nos lembrar de letras cheias de poesia. A lua furando nosso zinco, salpicava de estrelas nosso chão. Pode haver coisa mais bonita?

Tem letra de música que vira lição de vida: a força da grana que ergue e destrói coisas belas. E tem aquelas que viram grito. Brasil, mostra tua cara… , cara que, finalmente, foi escancarada nos últimos tempos, graças ao momento político e à exposição das redes sociais.

Na desordem do armário embutido, meu paletó enlaça o teu vestido . É ou não é para viver em estado de poesia? Dois Chicos, Buarque e Cezar, cada um mais poeta que o outro.

Ney Matogrosso comentou, um dia, que uma das coisas importantes, quando escolhia uma música para cantar, era o desejo de “dizer” aquelas palavras. Vi isso acontecer lindamente no show Bloco na Rua, quando deu um recado belo, nas palavras de Ednardo: Eles são muitos, mas não podem voar. Todo mundo que estava ali entendeu. Você entendeu? Eles são muitos, mas não podem voar. E as nossas asas são feitas de um material que não se pode cortar.

Meu pai, quando ainda gostava de cantar, enfatizava certas frases, deixando claro o recado: Só me resta um consolo e alegria. É saber que depois da boêmia, é de mim que você gosta mais. E era verdade. Era só depois da boêmia.

Eu fecho os olhos de ternura quando Milton canta A Lua Girou: travesseiro dos meus braços, só não faz quem não quiser, um travesseiro dos meus braços. Como é gostosa a ideia, sobretudo em nossos tempos bélicos, de poder repousar em alguém.

Você me abre em seus braços e a gente faz um país. Digaí se isso não é maravilhoso?

Um veio d’água na serra é um olho d’água. Um veio d’água no rosto é uma mágoa. Eu adorava cantar esses versos da poderosa música de Luiz Ramalho. A moeda tem coroa e cara, o luar também clareia a lama… continua a bela canção.

Gilberto Gil, ele novamente, resumiu a força freudiana da mulher numa música chamada Super-homem, aquele que iria nos restituir a glória, mudando como um Deus o curso da história, por causa da mulher.

Renato Russo definiu, de maneira tão precisa, a dor da separação dos amantes, numa única frase da música Vento do Litoral, quando escreveu da saudade de quando olhávamos juntos na mesma direção e Cartola lembrou que as rosas não falam. Elas exalam o perfume que roubam da pessoa amada. Duvido você cantar esses versos sem fechar os olhos e aspirar profundamente um amor passado ou presente.

Enquanto desabotoam a blusa da mulher amada em lençóis macios, onde amantes se dão, Roberto e Erasmo me fazem imaginar uma linda palavra, “amantissidão” . A mansidão dos amantes. Sempre cantei assim.

Gosto de brincar com amigos, chamando nossos compositores de filósofos. Quantas vezes já dissemos que é impossível ser feliz sozinho ou que cada um conhece a dor e a delícia de ser o que é?

E você, que letra de música lhe faz revirar os olhos, sentir saudade ou remexe nos seus segredos de liquidificador?

Que letra é seu grito?

Essas aí me vieram à mente enquanto escrevia o texto. Já sei que virá um montão me torturando por não ter lembrado. O que pode ser mote para um volume 2.

Tanta coisa que eu tinha a dizer, mas me perdi na poeira das ruas…

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