Adriana Crisanto

Jornalista profissional (DRT/PB n. 1455/02-99). Especialista em Jornalismo Cultural, mestre em Serviço Social (C.Política) pela Universidade de Salamanca e Universidade Federal da Paraíba (UFPB), com atuação na imprensa local.

MÚSICA DA CANETA AZUL X MÚSICA DOS UNIVERSITÁRIOS

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Na semana passada um novo “hit”, o da caneta azul, ganhou as mídias sociais e grudou na boca que nem chiclete de muitas pessoas a ponto de pipocar “memes” por todo os lados na internet. Isso me fez pensar por anda a música universitária? Ou seria melhor dizer o universitário na música, como classe, e como ele se desenvolveu ao longo dos tempos.

A história popular da música conta que o músico universitário surgiu no Brasil com a Bossa Nova, a exemplo de Tom Jobim, que era formado em Arquitetura, Edu Lobo em Direito, Carlos Lyra também arquitetura. Indo para a fase do tropicalismo temos: Caetano Veloso (Filosofia), Gilberto Gil (Administração), Chico Buarque (Arquitetura). Milton Nascimento não frequentou universidade, porque na época sua família não tinha condições financeiras, o que acabou fazendo com que o cantor fosse parar em um curso técnico de Contabilidade.

Muitos, após o sucesso, abandonaram os cursos no meio do caminho, assim que a música se tornou profissão em suas vidas. Mas, sempre estiveram próximos ao miolo da música brasileira pensante ou no entorno das universidades onde a circulação de ideias era constante. Observar o que aconteceu com a música universitária no Brasil, sua extratificação social e o hit “Caneta Azul” que estorou no Youtube e virou Trend Topics do Twitter é necessário para entender também sobre a recessão da música em alguns pontos.

Nas décadas de 1960, 1970, 1980 até meados de 1998 o país consumida vinil e Cd-rom e o que era industrializado pelas gravadoras. A vitrine dos artistas dessas décadas foram os festivais e feiras de música. Ali as gravadoras podiam escolher o que, já testado pelo público, poderia ir para seus carrinhos de supermercados. Com a repressão, prisões e exílios de alguns artistas tiraram dos festivais a função de ponto de encontro e troca de ideias e conhecimento, permanecendo apenas as feiras de música para novas contratações.

A primeira leva de universitário surgiu em 1970 e espremidos nesta entressafra apareciam novos nomes como Ivan Lins, que vinha de uma família de classe média da Tijuca e cursava Química Industrial, Luiz Gonzaga Júnior, filho de Luiz Gonzaga com uma cantora de coros e casas noturnas, criado pelos padrinhos no morro de São Carlos, ambiente popular da zona norte do Rio de Janeiro, que estudava Economia. Ivan e Gonzaguinha vinham da mesma seara e se tornaram exemplos de criadores musicais, em uma dada época. O caminho deles se cruza nos festivais universitários da Tupi e no Movimento Artístico Universitário (MAU), de curta duração.

Passaria horas aqui escrevendo sobre a história da música mostrando como ela se desenvolveu, porque lia diariamente nos cadernos 2 da Folha de São Paulo e Estado de São Pessoa que chegavam em João Pessoa apenas na tardinha de domingo e vendia em uma única banca de revista da cidade. Alguns festivais eram transmitidos pela televisão um mês depois que aconteciam. Hoje as transmissões são em tempo real pela internet e os eventos musicais como Rock In Rio, Lollapalousa, etc. podem ser assistidos simultaneamente em vários países do globo.
De fato, o acesso ao conteúdo musical se tornou mais rápido, mas, mesmo com toda essa agilidade de apenas um click, por onde andam os universitários da música que não fazem mais tanto sucesso e alcançam altos patamares como a música da canetinha azul? Alguns ainda estão escondidos nos guetos da música ou se consideram tão bons que não podem se misturar com a massa que consome a música da canetinha azul, composta pelo vigilante maranhense Manoel Gomes.

O problema da música brasileira hoje é que o consumo da classe média mudou, alguns não se satisfazem mais com a rebeldia do rock e outros não tem dinheiro no bolso suficiente para pagar por shows megalomaníacos anunciados pelo mercado, que precisa se expandir para alimentar sua indústria de consumo. Indústria essa que está torcendo o nariz para a música universitária e que hoje traz em seu bojo uma necessidade de consumo muito mais fácil, descartável, no qual os músicos universitários não entram.

Do lado do rock ainda se abriga o que é produzido pelo mercado americano, que uma vez exportadas assumem contornos novos, de modismos instantâneos, que para nova camada emergente de jovens brasileiros, brancos, de classe média, a discoteca ou Dj´s apresentam ainda a nova moda, destituída da poesia e dos apelos existenciais e até políticos da moda anterior. O rock ainda hoje oferece os atrativos da “novidade”, do que está em uso lá fora e um pouco daqui.

As populações jovens e negras das grandes capitais brasileiras buscam algumas variantes como a soul music, o funk e o rap como opções dignas diante do desinteresse cada vez maior da classe média branca, mas que consome a música da canetinha azul. É curioso e estranho ao mesmo tempo, pois uma indústria fonográfica que tem hoje muito mais articulação em termos de marketing e de suas formas importadas fazer tornar alvo de infinitas reproduções uma música que conta a história de uma menina que perdeu a caneta.

O Brasil musical perdeu não só a caneta, mas o prumo e aos poucos temo que perca a poesia, a musicalidade e que haja uma destruição sistemática da música brasileira e seus inúmeros gêneros, pois como diz Elton Medeiros “um povo sem cultura é mais fácil de dominar” e um país sem alma, sem voz é apenas um fantasma de si mesmo.

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