Estou aqui, de frente pra essa folha em branco, eu olhando para ela, ela olhando para mim. Os dedos inquietos. A vontade de usar palavras, brincar com elas, deixar me levar por elas, me transformar nelas.
De repente, recebo a mensagem:
– menino, tô aqui no teu Facebook, vendo se tu escreveu algo novo…
O que acontece é a minha cara. Risos…
Me dá vontade de escrever algo velho.
Rugas, tempo passando devagar, longas conversas em volta da mesa, telefonema, virar o disco, álbum de fotografias, delícia de abacaxi, guarda noturno, whisky com água de coco, cinema na rua, jogo de tabuleiro, barbearia, sala com cheiro de ‘Pinho Sol’, visita, aperto de mão, palavra de homem, criança com roupinha de marinheiro, cocada, pedir ”em namoro”, receber carta, sentar na calçada, confiar, passear, usar a roupa favorita, lamber o tacho, chupar laranja, dançar música que se canta…
Logo o espírito da minha bisavó, dona Moça, que foi jovem até os seus quase 100 anos, me aparece:
– menino, pare com isso! Como é que você, ”brother” de Cazuza, me vem com esse papo de escrever algo velho!?!?! – então você esqueceu que o tempo não para?
– mas vó, ”..ser novo para mim é algo velho. O novo para mim é ser velho!”
– que conversa é essa rapaz?! Esqueceu do velho Lago*?
”Fiz um acordo com o tempo. Nem eu corro dele, nem ele corre atrás de mim”.
A velha irreverência se recolhe. Penso que devo escrever algo novo.
Para isso, eu que devo correr atrás do tempo.
Botox, alimentos antioxidantes, protetor solar, prótese capilar, viagra, foto fazendo beicinho, “hashtags”, escrever coisas como: ”é o que tem para hoje” ou ”pronto falei”, treino funcional, Netflix, nudes, hipsters, likes, adultescentes, cupcakes, sucesso instantâneo, fama vazia, transgênicos, transgêneros, vida líquida.
– eita! Me dou conta. Não sei mais o que é novo!
‘Desculpaê’, vó! O novo ‘tá muito é velho!
É muito velho esse negócio de ter que ser novo.
O tempo não para. E é nele que eu moro.
O velho que sou desde sempre, e o menino que nunca deixei de ser, me seguram, um em cada mão.
Rodopiamos na valsa das estações, indo e vindo, misturando saudade com curiosidade.
Tudo ao mesmo tempo agora.
O que é, de repente já foi.
E a gente trás de volta.
Vinil, WhatsApp, palavra de homem e palavra de mulher, hipsters, nudes, viagra, amigos virtuais, lamber o tacho, FaceTime, baixar música, ir no cinema, autógrafo, fama passageira, roupa nova, cigarro eletrônico, longas conversas em volta da mesa, barbearia, foto instantânea, drones, clones, IPhones, silicone…
Tudo fica logo muito velho. Seja novo ou seja velho.
– lamento, meu amigo, hoje eu não tinha nada de novo para escrever.
E você?
Me conta aí… O que é que há de novo?
Adeus 2019, esse ano que já nasceu velho.
Vem aí 2020. Que seja feliz.
* Mário Lago – poeta, radialista, compositor e ator brasileiro. 1911/2002
Trilha Sonora:
O Tempo Não Para – Cazuza
A Ilusão da Casa – Vitor Ramil
Lema – Carlos Rennó e Lokua Kanza
Todas podem ser ouvidas na voz do sensacional Ney Matogrosso