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Mais do que uma ode a Ma Rainey, “A voz suprema do blues”é um filme sobre a dor de uma raça

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A pretexto da gravação de vários discos singles, Ma Rainey (Viola Davis) e sua banda desembarcam na Chicago em 1927. Além dos músicos, sua namorada Dussie Mae (Taylour Paige) e o sobrinho Sylvester (Dusan Brown). Toda a trupe tem pele negra. O produtor Irvin (Jeremy Shamos) e equipe do estúdio é formada por homens brancos. Os conflitos que moverão a história não se darão apenas entre artistas e estúdio. A escravidão e seus males incontornáveis costuram esta narrativa envolvendo a todos. Essa é o tema de A voz suprema do blues (Ma Rainey’s black bottom, 2019, EUA, 1h34m), dirigido por George C. Wolfe, disponível no cardápio da Netflix. 

Como o título do filme em português sugere, esperamos ver na tela a trajetória artística de Ma Rainey, nascida Gertrude Pritchett, em 1886, na cidade de Columbus, na Geórgia, e que recebeu a alcunha de “mãe do blues” no auge de sua carreira, encerrada com sua morte em 1939. Nada disso. O enredo se acerca de apenas uma tarde na vida dos personagens, como vimos, a chegada à cidade diretamente para o estúdio de gravação. O que remete além disso, ou seja, ao que chamamos de história – que é sempre maior do que o enredo – se limita ao que é falado pelos personagens. Destaca-se, aqui, o trompetista Levee Green, em excelente interpretação de Chadwick Boseman que disputa em pé de igualdade tempo de tela com Viola Davis, ambos indicados ao Oscar deste ano. 

Ma Rainey’s black bottom é o título em inglês da música com letra da própria Ma Rainey, da peça escrita para o teatro pelo dramaturgo August Wilson, em 1984, e do filme roteirizado por Ruben Santiago-Hudson. Literalmente quer dizer “o traseiro preto de Ma Rainey”, umas de suas músicas mais famosas, e tem a ver com um estilo de dança criada pelos afro-americanos, o Black Bottom Stomp (“a dança do bumbum preto”). Ma Rainey, personagem do filme, e da vida real, se apresenta como uma mulher de caráter forte, de vontade própria, feminista e assumidamente lésbica. Tem ciência do poder da sua voz e da sua música e impõe suas vontades no mundo branco e racista do show business.

O ambiente de A voz suprema do blues é de uma América de segregação racial, perversamente no Sul dos Estados Unidos onde linchamentos de negros eram rotina. Por isso, com sua maquiagem civilizatória, a região Norte terminou atrativa para a gente afro-americana que necessitava fugir da barbárie, resvalando, inevitavelmente noutra armadilha: a exploração do trabalho e a segregação racial. Norte e Sul disputavam a mão-de-obra negra barata. Milhares de trabalhadores negros eram atraídos para as cidades de Chicago e Nova Iorque. Mas não custa lembrar que, aproximadamente, metade das áreas de Chicago era proibida para negros. O Sul chegou a criar leis para evitar o êxodo de seus ex-escravos, como a que chegou a limitar seu acesso aos trens, além da forte repressão policial.

O Blues é um estilo musical que tem raízes nas work-songs (canções de trabalho) cantadas por escravos, muitas vezes acorrentados nos campos de algodão, nos negro-spirituals e nos gospels entoados nas igrejas de maioria pentecostal que se multiplicavam nos povoados. Segundo historiadores, nasceu entre o final do século XIX e primeiros anos do século seguinte. A escravidão havia sido oficialmente abolida em 1865 logo após o término da guerra civil (Guerra de Secessão) entre estados abolicionistas e estados confederados. A tristeza, marcada a ferro e fogo no corpo e na alma dos afro-americanos, terá no blues sua maior expressão. Um desalento que se fundia ao fervor e à alegria dos cantos bíblicos, promessas de uma vida de felicidade no Paraíso com o definitivo encontro com Cristo. 

Praticamente, toda a ação do filme se restringe aos espaços do estúdio, numa Chicago de um verão tórrido, o que imprime uma sensação de claustrofobia. As ações, predominantemente verbais, são ordens, contra-ordens, recusas e vontades, o que circuscreve os conflitos na esfera da subjetividade. O que Ma Rainey quer é gravar seus singles ao seu modo, impondo deliberadamente suas condições, remoendo uma vingança contra a superioridade branca dos homens que precisam de sua voz e talento para mover seus negócios. Nas suas exigências, parece estar expresso um prazer sutil de revanche, e isso reforça a empatia do espectador com a personagem.

A abertura do filme trabalha com o imaginário do medo que colou na pele da raça negra. Dois homens jovens correm desesperadamente por uma mata escura e pantanosa. Uma perseguição, imaginamos. Ouvimos latidos de cães e aos poucos ouvimos ao longe a voz “suprema” de Ma Rainey que vai invadindo a cena até chegarmos a uma longa fila de fãs que esperam adentrar a uma espécie de circo armado num lugar ermo para o concerto da cantora. Na cena seguinte vemos o anúncio do jornal Chicago Defender que convoca trabalhadores negros para o sonho do Norte, a “terra prometida”. 

A voz suprema do blues vai além do simples relato de um momento na carreia da “mãe do Blues”. A personagem do sedutor trompetista Levee Green, com suas ambições e fabulações terríveis de sua história e dos seus, dá o tom mais forte do enredo: a dor de uma raça desenraizada à força da terra natal para o trabalho forçado num lugar distante e desacolhedor. Levee, como a estrela Ma Rainey, não tem papas na língua e está sempre avançando o sinal nos shows da banda e na relação com os colegas. Seduz a namorada de estrela, que não o vê com bons olhos, apesar do seu talento. Com sonhos de uma carreira com sua própria banda, Levee age com a ousadia e coragem de quem já vivenciou tudo de ruim que a vida poderia lhe dar e vai criando a tensão que nos levará ao clímax do filme e seu desfecho trágico. O ator Chadwick, que também interpretou “Stormin Norm” em Destacamento Blood (Spike Lee, 2020), faleceu ano passado de câncer, e concorreu ao Oscar de Melhor Ator por sua surpreendente atuação em A voz suprema do blues. No entanto, o Oscar foi para Anthony Hopkins por Meu Pai. Um páreo difícil. O filme de Wolfe recebeu dois prêmios por Maquiagem e Cabelo e o de Figurino. 

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