O dia 31 de março de 1964 marcou a história do Brasil com a instalação de um regime militar autoritário que durou 21 anos e promoveu toda sorte de atrocidade contra pessoas suspeitas de subversão. O País foi surpreendido com a deposição do presidente João Goulart, pelas Forças Armadas. No dia seguinte, 1º de abril, a população ainda estava confusa com os acontecimentos. Houve tentativas de rações públicas contrárias ao novo regime, que foram combatidas com veemência.
Para sacramentar o golpe, a Junta Militar que assumiu o comando da nação, no lugar do presidente João Goulart, criou, no dia 9 de abril de 1964, o Ato Institucional Nº 1 (AI-1), que completa 49 anos na próxima terça-feira. A Junta Militar que subscreveu o Ato Institucional era formada pelo general do Exército Arthur da Costa e Silva, pelo tenente-brigadeiro Francisco de Assis Correia de Melo e pelo vice-almirante Augusto Hamann Redemaker Grunewald.
O Ato suspendeu por dez anos os direitos políticos de todos opositores do regime, inclusive deputados, senadores, militares e governadores. O AI-1 também suspendeu a Constituição por seis meses.
Decorridos 49 anos da instalação do regime militar, um estudo realizado pelo professor Paulo Giovani Antonino Nunes, Doutor em História pela Universidade Federal de Pernambuco (UPFE) e presidente da Comissão Estadual da Verdade da Paraíba, revela como a sociedade civil do Estado reagiu ao golpe militar.
No detalhado estudo, Paulo Antonino mostra que o então governador da Paraíba, Pedro Moreno Gondim, eleito em 1960 com forte apelo popular e observância aos princípios trabalhistas, teve que apoiar o golpe para não ser cassado.
350 prisões
Naqueles primeiros dias sombrios de abril de 64, pelo menos 350 pessoas consideradas subversivas foram presas na Paraíba. Foram 178 prisões na zona urbana e 172 na zona rural. A sociedade civil, como um todo, apoiou o golpe militar, segundo o estudo. Os apoios partiram do Governo do Estado, Assembleia Legislativa, Câmara Municipal de João Pessoa, Arquidiocese da Paraíba, empresários, agropecuaristas, políticos, jornalistas, etc.
O então arcebispo metropolitano da Paraíba, Dom Mário de Miranda Villas Boas, enviou telegrama às autoridades se congratulando com a vitória do golpe militar, conforme foi noticiado pelo jornal da Diocese A Imprensa, no dia 06 de abril de 1964.
Os telegramas de apoio da Arquidiocese ao golpe militar foram encaminhados ao general Justino Alves, comandante do IV Exército, em Recife, e ao governador Pedro Gondim. “Na pessoa de Vossa Excia, saúdo nossas brilhantes Forças Armadas, que defenderam muito oportunamente nosso Brasil”, diz o telegrama do arcebispo ao general. Ao governador Pedro Gondim, dizia o telegrama do arcebispo: “No dealbar (aclarar) desta aurora de nova paz, saúdo Vossa Excelência cuja colaboração foi muito oportuna no presente momento”.
“Exprimindo os sentimentos altamente patrióticos, ante os últimos acontecimento que resultam em necessária renovação do regime democrático nacional, o Sr. Arcebispo Metropolitano D. Mário Villas Boas, telegrafou aos principais chefes deste movimento que podemos considerar o mais firme golpe em todo o plano de comunização do país, próximo a concretizar-se. A palavra de nosso culto e mui virtuosos guia espiritual é uma segurança para nossas opiniões, na presente conjuntura que atravessa o Brasil”, noticiou o jornal da arquidiocese.
Participação conjunta
De acordo com o estudo do Doutor Paulo Antonino, a articulação do golpe militar de 64 na Paraíba contou com a participação conjunta dos setores civis e militares e membros dos dois principais partidos políticos: UDN (União Democrática Nacional) e PSD (Partido Social Democrático).
No estudo, Paulo Antonino cita declarações atribuídas ao então deputado estadual Joacil de Brito Pereira, que apontou os nomes de pessoas influentes que apoiaram o golpe militar, a exemplo de Aguinaldo Veloso Borges, Antônio Ribeiro Pessoa, João Batista de Lima Brandão, Sindulfo Guedes Santiago, Marcus Odilon Ribeiro Coutinho, Flaviano Ribeiro Coutinho e Luiz Ribeiro Coutinho, todos proprietários rurais.
E mais: Antônio Barroso Pontes, Archimedes Cavalcanti, Antônio de Arruda Brayner, José Leal, Otinaldo Lourenço, todos jornalistas influentes. Na lista de Joacil de Brito Pereira, sobre os apoiadores do golpe militar (que eles chamavam revolução), segundo o estudo de Paulo Giovani, estavam: o general reformado do Exército, Renato Ribeiro de Morais; o dentista Fernando Furtado; o médico João Gonçalves Toscano de Medeiros; o sargento reformado do Exército, Reinaldo de Melo Celani; o sargento Lira; o tenente Fontele. Estavam, finalmente, “uma plêiade de paraibano de todos os segmentos sociais”, segundo Joacil Pereira.
Em Campina Grande, um poderoso núcleo de apoio ao regime militar era formado, conforme as investigações do historiador paraibano, pelo juiz aposentado Manoel Casado Nobre, empresário Juarez Barreto, advogado Rui Barbosa, o médico Ermírio Leite, os irmãos Paulo e Enivaldo Ribeiro, Luismar Resende, entre outros cidadãos.
Na cidade de Areia, aconteceu a mesma coisa. O apoio ao golpe veio de Severino Teixeira de Brito Lira, do coronel José Maria da Cunha Lima e do seu sobrinho, Roberto Cunha Lima; de João Barreto e seu filho, Haroldo Barreto; do professor Manoel Gouveia, do proprietário José Rufino de Almeida, entre outras personalidades influentes.
Conspiração golpista
Segundo o estudo de Paulo Antonino, “nada indica que o Governo de Pedro Gondim tenha tido alguma participação na conspiração golpista, apesar da sintonia de interesses e de ação que já vinha se manifestando entre o governador e a guarnição federal da Paraíba, e do afastamento dos ideais trabalhistas”.
“O mais provável é que ele- o governador- tenha sido tomado de surpresa. Além disso, também não tinha uma posição definida, nem tampouco homogênea, a ser assumida. Isto porque uma parte do seu secretariado defendia o rompimento com o Governo Federal e a adesão imediata ao golpe e outra parte pretendia a adoção de uma posição em apoio ao presidente deposto, João Goulart”, diz o texto do estudo de Paulo Antonino.
Pressão dos militares
No dia do golpe militar, 31 de março de 1964, o governador Pedro Gondim, segundo o historiador Paulo Antonino, sofreu pressão dos militares para aderir, mas só tomou sua posição no dia seguinte, com a chegada do líder do governo à Assembléia, Antônio Vital do Rêgo. “A partir daquele momento, percebendo a irreversibilidade do movimento militar, a fragilidade das forças janguistas e, principalmente, a importância do momento para sua sobrevivência política, Pedro Gondim, com a colaboração de Antônio Vital do Rêgo e de seu secretário Sílvio Porto, elabora uma nota de apoio ao movimente golpista, que foi lida pelo governador na rádio estatal, a Tabajara, no dia 1º de abril”, diz. (ABS)
A nota de Pedro Gondim:
“Não posso e não devo, neste instante de tanta inquietação nacional, deixar de definir minha posição, na qualidade de governador dos paraibanos. Reafirmo, preliminarmente, todos os pronunciamentos que expendi em favor das reformas essenciais, por saber que elas constituem instrumentos legais de adequação aos novos problemas do povo. E neste sentido nunca faltei com o meu estímulo e apreço ao governo central. Os últimos acontecimentos, verificados no Estado da Guanabara (atual Capital do Estado do Rio de Janeiro), envolvendo marinheiros e fuzileiros navais, denunciaram, porém, inequívoca e grave ruptura na disciplina em destacado setor das classes armadas, com desprezo às linhas hierárquicas e completa alienação às prerrogativas da autoridade, sustentáculo autêntico da segurança nacional.
O movimento que eclodiu nestas últimas horas em Minas Gerais, com repercussão em outros Estados, não é mais nem menos do que a projeção de acontecimentos anteriores, numa tentativa de recolocar o país no suporte de sua estrutura legal, propiciando clima de tranquilidade – indispensável ao processo desenvolvimentista que vivemos. O pensamento político de Minas Gerais, hoje como em 1930, identificou-se com a vocação histórica do povo paraibano que deseja, neste episodio e sobretudo, o cumprimento das liberdades públicas, consubstanciadas na defesa intransigente do regime democrático”. (ABS)
Permanência no Governo
De acordo com Paulo Antonino, a decisão do governador Pedro Gondim “garantiu-lhe não apenas a sua permanência à frente do Governo do Estado, como a preservação de sua liberdade. Se a decisão tivesse sido outra, ele, provavelmente, teria sido deposto e preso”. A partir daquele comento, frisa o doutor em História, a adesão de Gondim à “revolução” se deu de forma absoluta e inquestionável.
Correio da Paraíba