“Inventando Anna”, umas das mais novas produções da Netflix, estreou há alguns dias com a proposta de contar a história da impostora russa Anna Delvey, que tinha 20 e poucos anos quando foi presa por enganar a alta sociedade estadunidense. Fui ver a minissérie intrigada: queria entender como tantas pessoas endinheiradas caíram tão facilmente na lábia de uma suposta herdeira alemã.
Essa era minha motivação inicial. A partir do primeiro episódio, porém, segui até o fim porque me apaixonei pelo entusiasmo da personagem Vivian Kent (na vida real, a jornalista Jessica Pressler), que é interpretada por Anna Chlumsky.
Na produção, Vivian é uma jornalista da revista fictícia “Manhattan”. Ela decide investigar a história de Anna Delvey (vivida pela atriz Julia Garner), mas é o tempo todo assombrada por um erro profissional, envolvendo um estudante no passado. Para provar que tem capacidade de apurar temas relevantes, Vivian enfrenta até mesmo os próprios chefes, que não enxergam nenhum potencial jornalístico na pauta sobre a socialite que deu golpe em amigos e banqueiros.
A jornalista, de início, começa a investigação sobre Anna Delvey por conta própria, escondida dos chefes e no horário em que deveria estar cuidando de outra pauta. Vivian quer descobrir o que há por trás da prisão de Anna Sorokin (nome real da golpista russa). Melhor: seu faro jornalístico diz que há algo mais na história aparentemente banal de uma pessoa que foi presa por dar um calote de US$ 275 mil (R$ 1,4 milhão hoje), enquanto esbanja fotos e mais fotos nas redes sociais. No melhor estilo #InstaOstentação.
Detalhe: Vivian está grávida. E sua ansiedade com as apurações sobre o caso Anna Delvey aumenta ao mesmo tempo que vê sua barriga crescer e crescer, para melhor abrigar seu primeiro filho. O quarto do bebê, aliás, que já deveria estar quase pronto, na verdade, tem uma parede coberta de fotos e mais fotos da impostora russa; trata-se de uma miscelânea de imagens do Instagram prestes a formar um quebra-cabeça, cujas peças ainda não se encaixam.
Enquanto a história de Anna Delvey se desenrola, entrecortada pelo cotidiano de Vivian, o telespectador se depara com situações que revelam nuances da rotina produtiva de um jornalista: relacionamento com chefes, colegas de trabalho, fontes e personagens. Na minissérie, uma situação vivida por muitos repórteres também tem espaço em várias cenas: qual deve ser o distanciamento correto entre repórter e fonte oficial, repórter e personagem? No caso em questão, Vivian e Anna Delvey vivem momentos de respeito-chantagem-estresse-amor-ódio.
Em relação às cenas de redação, gostei especialmente dos momentos em que Vivian convive com “os dinossauros” da revista onde trabalha. Por ter cometido um erro noutra reportagem, a repórter agora divide espaço com os jornalistas mais antigos, a quem a empresa relegou um canto lá no fundo da redação, que é chamado por eles de “Scriberia”. E serão justamente esses colegas os grandes incentivadores de Vivian, não apenas dando conselhos e dicas profissionais, mas também auxiliando na apuração da pauta, com pesquisas na internet, telefonemas e seleção de material.
“Inventando Anna” é uma minissérie inspirada no artigo “Como Anna Delvey Enganou os Baladeiros de Nova York” (na tradução livre de How Anna Delvey Tricked New York’s Party People), escrito pela jornalista Jessica Pressler para a revista New Yorker. Na Netflix, a história de Anna é interessante. Mas a de Vivian é muito melhor. A jornalista, de fato, é a protagonista.
