Segundo documentos levantados pelo escritor e jornalista Laurentino Gomes, publicados no livro “1822”, na véspera da Independência, o Brasil tinha cerca de 4,8 milhões de habitantes. De cada três brasileiros, dois eram escravos, negros forros, mulatos, índios ou mestiços. A diversidade étnica daquela época foi herança na composição da população do Brasil, onde hoje 97 milhões de pessoas se dizem negras (pretas ou pardas) e 91 milhões brancas. Na Paraíba, 58,5% da população (mais de 2,2 milhões) são pretos e pardos.
A classificação “preta” e “parda” é usada pelo IBGE para fins censitários. O pesquisador do Núcleo de Estudos Afros e Indígenas da UFPB, professor Antônio Novaes, esclareceu: “Quando mencionamos uma identidade política de ascendência africana, usamos o termo “população negra”, o que inclui os afrodescentes”, disse o pesquisador.
Pela análise do diretor do Departamento de Proteção ao Patrimônio Afro-brasileiro (DPA) da FCP, Alexandro Reis, os quilombolas são descendentes de negros libertos pela Lei Áurea e a leis anteriores a ela. “Mas eles não tinham onde morar, o que comer ou onde trabalhar. Eram discriminados e rejeitados. Uma das soluções encontradas foi o agrupamento nas periferias das cidades, ou em torno das lavouras, em terras sem donos”, explicou Alexandro Reis.
Ele acrescentou que o “quilombo”, como o conhecemos hoje, “é um espaço de reorganização familiar de africanos que foram trazidos ao Brasil, para garantir a preservação das raízes culturais, de obter apoio entre eles, de sobreviver, e que existe até hoje no Brasil. É parte fundamental da nossa organização social, econômica e cultural”.
Pelo levantamento da FCP, existem 2.131 comunidades remanescentes de quilombos no Brasil – quase 13 mil famílias – concentradas principalmente nos estados da Bahia, Maranhão, Minas Gerais, Pará e Pernambuco. Dessas, 1.802 estão certificadas.
Protegidos pela Constituição
Desde 1988, as comunidades quilombolas são protegidas pela Constituição Federal, Artigo 68, Ato das Exposições Constitucionais Transitórias, e Artigos 215 e 216 que trata da promoção da cultura.
A partir de então, a FCP passou a emitir o Título de Propriedade das terras onde os quilombolas vivem, depois de um estudo antropológico minucioso de resgate das raízes da comunidade. Até 2003, 18 comunidades foram tituladas.
Em 2003 o governo federal lançou o Programa Brasil Quilombola, que reúne ações do Governo Federal para as comunidades remanescentes de quilombos. Com isso, a FCP, pelo Decreto 4887/2003, assumiu a competência de emitir as Certidões de Autorreconhecimento. A tarefa de titular o território passou a ser do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Para ser reconhecida como grupo étnico, a comunidade quilombola deve primeiro obter a certificação da FCP. A FCP envia um antropólogo à comunidade para atestar a veracidade das informações.
Já o processo de titulação é mais complexo e demorado. Com a certificação em mãos, a comunidade deve solicitar oficialmente junto ao Incra a titularidade do território. A regularização do território inicia com um estudo da área, notificação resultados aos quilombolas, respeita o prazo para contestação e publica uma portaria de reconhecimento que declara os limites do território quilombola.
A regularização fundiária é feita após a retirada de ocupantes não quilombolas através de desapropriação ou pagamento das benfeitorias. Ao final do processo, é concedido um título coletivo de propriedade à comunidade em nome da associação dos moradores da área e é feito seu registro no cartório de imóveis. O Incra tem, atulamente, 26 processos em andamento, sendo um praticamente concluso, o da comunidade Bonfim, em Areia. Os demais esbarram em conflitos para a desapropriação, regularização ambiental e outros.
Comunidade sustentável
Segundo relatos da presidente e integrante da Associação de Apoio aos Assentamentos e Comunidades Afrodescendentes (Aacade), Francimar Fernandes, a comunidade foi formada em 2004, com a expulsão de 20 famílias da fazenda Engenho Bonfim que, há dezenas de anos, moravam e trabalhavam no local.
Mesmo tendo deixado a propriedade, as famílias sofriam ameaças e tinham suas plantações estragadas. Eles buscaram auxílio junto à Pastoral da Terra e à Aacade, a qual deu início ao processo de autorreconhecimento na FCP como “comunidade quilombola afrodescendente. “Com o apoio, em 2005 foi implementado um plano de orientação para a produção agrícola biológica, graças a ajuda de associações e amigos particulares italianos que disponibilizaram recursos. Após obtenção do certificado de autorreconhecimento a comunidade teve acesso a políticas públicas: foi contemplada com o Programa Fome Zero, foi feita a implementação do Programa um Milhão de Cisternas e foi concluída a instalação de energia com o programa Luz para Todos”, disse.
Em 2008 foi construída a cozinha com fornos para a produção de alimentos para as escolas públicas do município, de acordo com o Programa de Aquisição de Alimentos da Conab (PAA). Foi implantada a criação de galinhas e cabras e constituído o Fundo Rotativo, (concessão de microcrédito ligada à implementação de atividades agrícolas biológicas e criação de pequenos animais) “Isso está contribuindo para o desenvolvimento da comunidade que não recebe mais cestas básicas e se auto-sustenta”, disse Francimar.
Correio da Paraíba