A origem do termo festival é do latim festivus: festa e celebração, associadas às comemorações religiosas. Os festivais de cinema, ou de qualquer outra forma de expressão artística, preservam esse espírito de confraternização, de encontro, de festejo. Num contexto de pandemia, esse significado perdeu força com a necessária versão on line dos eventos de cinema. Ganha, no entanto um alcance antes inimaginável: um público jamais alcançado numa versão presencial. Neste mês, três festivais de cinema cumprem esse papel: o Cine Jardim (na cidade de Belo Jardim, PE), o Goiamum Audiovisual (em Natal, RN) e o 49º Festival de Cinema de Gramado (Gramado, RS).
Ano próximo, o Festival de Gramado completa 50 anos ininterruptos, um feito por si só digno de celebração. Mesmo não acontecendo on line como a grande maioria dos pequenos e médios festivais, Gramado optou por exibir seus curtas e longas-metragens nacionais – e longas estrangeiros – através do Canal Brasil, sem direito à reprise, mas com excelente programação. A premiação acontece neste sábado, dia 21.
Com a curadoria do gaúcho Marcos Santuario, jornalista, crítico e professor universitário (curador desde a 40ª edição), e Soledad Villamil, atriz e cantora argentina, a mostra de longas-metragens brasileiros e latinos surpreendeu com filmes impactantes como o paulista ‘Novelo’ (Cláudia Pinheiro, 2021), o gaúcho ‘A primeira morte de Joana’ (Cristiane Oliveira, 2021), o carioca ‘Homem Onça’ (Vinícius Reis, 2021) e o paranaense ‘Jesus Kid’ (Aly Muritiba, 2021), por exemplo. Dos latinos, destaco o impactante drama chileno ‘Gran Avenida’ (Moises Sepulveda, 2020) e a comédia surreal ‘La teoria de los vidrios rotos’ (Diego Fernández Pujol, 2021), este uma coprodução do Uruguai, Brasil e Argentina.
Na mostra de curtas brasileiros, encontramos representantes de nove estados enfatizando a diversidade de temas e origens dos realizadores: Paraíba (02) – estamos representados por ‘Animais na pista’ (Otto Cabral, 2021) e ‘A fome de Lázaro’ (Diego Benevides, 2020), fortes concorrentes pela qualidade narrativa e estética; Paraná (02 representantes), São Paulo (02), Rio de Janeiro (02), Rio Grande do Sul (02), Pernambuco (01), Amazonas (01), Maranhão (01) e Ceará (01).
No Nordeste, dois festivais, já consolidados no calendário de eventos de cinema do país, estão on line com amplo e irrestrito acesso: O Cine Jardim – Festival Latino-Americano de Cinema de Belo Jardim, na sua sexta edição, acontece até o dia 28 na cidade Belo Jardim no Agreste pernambucano, com homenagem aos 25 anos do filme ‘Corisco & Dadá’, do cearense Rosemberg Cariry. O Cine Jardim, criado pelo cineasta e professor Leo Tabosa, é desses festivais desbravadores no interior do Nordeste que visam criar novos públicos para o nosso cinema e, por que não, formar novos realizadores, estabelecendo estreito vínculo com a educação/formação.
A seleção de longas optou por filmes com linguagem e tratamento estético que se distanciam do cinema mainstream, a começar pela radical fotografia de ‘Sertânia’ (2020), do veterano Geraldo Sarno, para expressar os delírios do personagem Antão, ferido por jagunços. Ou o terceiro filme da trilogia Dantesca do diretor maranhense Frederico Machado (‘As órbitas das águas’, 2020); além de ‘A mulher da luz própria’, documentário de Sinai Sganzerla sobre sua mãe e musa do Cinema Novo, Helena Ignez; o documentário autobiográfico ‘Casa’ (2019), de Letícia Simões, Pernambuco; o instigante ‘Vil, Má’ 2020), de Gustavo Vinagre; e o curioso ‘Vermelha’ (2019), do goiano Getúlio Ribeiro.
Na vizinha Natal, a relação entre cinema e educação norteia também o Goiamum Audiovisual, cuja décima edição (também on line) foi encerrada nessa sexta, 20, com mostra de filmes, oficinas e encontros. O cinema potiguar, antes ausente das mostras de cinema no Brasil, vem ganhando força fruto da articulação de seus realizadores com diversas instituições no sentido de fomentar políticas públicas para o setor. E neste sentido, figuras como Geraldo Cavalcanti (in memorian), Keila Sena e Buca Dantas são ícones dessas ações de fomento do cinema produzido no Rio Grande do Norte.
Festivais de cinema têm papel imprescindível na formação cultural de um povo, por priorizar a exibição do cinema nacional levando filmes a plateias que não têm acesso à essa produção – com raro espaço nas salas comerciais – e, mais importante, para cidades que não dispõem de salas de cinema. Um festival de cinema é também um importante vetor de difusão do nome de uma cidade. Aqui, cito o exemplo de Taquaritinga do Norte, em Pernambuco, cujo Festival de cinema, o Curta Taquary, a tornou mais conhecida do que o excelente café que produz graças à ação do visionário Alexandre “Taquary” Soares. Festivais igualmente mobilizam a mídia, angariando publicidade espontânea e movimentando a economia com a presença de visitantes nas cidades que os promovem. Com o fim da pandemia, os festivais voltarão a ser presenciais. É certo. Como é certo igualmente que a forma híbrida (presencial e on line) será definitiva na formação, fomento e difusão do nosso cinema para audiências cada vez maiores.
