Seria a felicidade algo que “se acha é em horinhas de descuido”, como ensinou um dos maiores escritores brasileiros, Guimarães Rosa, ou se resumiria mesmo a esse eterno parque de diversões, mostrado atualmente nas redes sociais? São lugares, carros, pessoas, roupas, viagens, pratos e cenários cada vez mais encantadores, com direito a comentários, curtidas e hashtags onde vale tudo, menos externar infelicidade ou qualquer forma de sofrimento.
Afinal, a alegria tem de ser ou ao menos parecer integral, mesmo diante de total invalidação das emoções humanas: raiva, tristeza, medo, alegria e amor… Sentimentos que abraçam todas as reticências, assim como a tal felicidade, construída de maneira diferente e única na vida de cada pessoa.
Para os adeptos da positividade tóxica, mais importante que sentir-se verdadeiramente é parecer estar feliz. Não importa o que houve naquela semana ou dia, há sempre um mantra para se “fomentar apenas emoções positivas”. Nem que internamente a pessoa esteja aos frangalhos, experimentando o mais espinhoso dos desertos.
Em tempos de lutos, desempregos, separações, doenças e novo normal, sabe-se que dores e angústias fizeram-se ainda mais constantes. Claro que sempre estiveram presentes, e hão de estar, mesmo que travestidas.
O próprio pai da psicanálise, Sigmund Freud, reconheceu o homem como “um ser de falta”. Sempre faltará algo, inclusive seu objeto de desejo.
Tudo bem em não está tudo bem o tempo inteiro? Seria possível editar menos nossas próprias vidas, ou ao menos tentar diferenciá-las dos stories, vídeos e publicações disparadas a cada momento?
Na vida real, esses filtros quase nada adiantarão. Feliz ou infelizmente, a conta dos sentimentos e emoções represadas logo chegará.
A lágrima engolida, a solidão disfarçada e a tristeza dissimulada se transformam em melancolia, ansiedade, pânico, depressão e muitos outros males, explosíveis feito bomba relógio. Portanto, o excesso de positividade, onde é proibido expressar qualquer coisa não vista como socialmente boa ou desejável, afeta a saúde mental. Na verdade, destrói vidas e sonhos.
Em tempos de alimentos, comportamentos, relacionamentos e tantas coisas consideradas tóxicas, não é de se estranhar que até o positivo tornou-se assim também. Consumir diariamente a vida perfeita – ou quase – dos outros, pode gerar efeitos colaterais que transpõem as redes e invadem seres, inseridos em uma cultura imediatista, marcada pelo imperativo de ser feliz.
Mas como alcançar a felicidade sem conectar-se com as próprias emoções, da forma mais real e congruente possível? Não se alcança a cura sem atravessar a dor, sem deixar o choro cair e a fala sair, sozinho ou perto da pessoa certa. Afinal, a infelicidade maior talvez não esteja em sentimentos tão naturais, e sim no gesto de não aceitá-los, negando-os e dissimulando-os cotidianamente.