Quando cheguei aqui, achei João Pessoa a cidade mais linda do mundo. Por dentro e por fora.
Por dentro tinha mata, árvore para todo lado. As palmeiras imperiais, os bambuzais na Lagoa, os ipês amarelos da Getúlio Vargas, os jambeiros por toda parte, colorindo as ruas com o fúcsia de um poema de Vitoria Lima. A vegetação exuberante da Bica. O encontro do mar com a mata no Cabo Branco.
Fazia parte da cultura local os jardins bem cuidados, as belíssimas palmeiras em forma de leque. Era a “Capital das Acácias”, tida como a segunda cidade mais verde do mundo (sendo Paris a primeira).
Tinha até um slogan:
“Em João Pessoa não é proibido pisar na grama. Aqui o verde nasce para todos”.
Do lado de fora, o mar. As praias de águas verde azuladas, morninhas, ensolaradas o ano quase todo. As gameleiras, um coqueiro de tronco altíssimo, que fazia um “looping” (lembram dele?) na orla de Tambaú, onde o hotel imitava uma duna verde que avançava mar adentro.
Era tranquilo e seguro passear pela cidade, a qualquer hora do dia ou da noite. E esse era outro dos nossos orgulhos: a segurança. A gente andava pelas ruas sem ter medo de gente. As donas de casa trocavam mudas de plantas. Os muros eram baixos, para que os jardins pudessem ser apreciados. Era gostoso ‘flanar’, tomar banho de mar, ir pro cinema, tomar chope nos barzinhos de música ao vivo, comprar bala no fiteiro da esquina, voltar da escola a pé com os colegas, conversar na calçada, dormir de janela aberta.
“…Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim…”
Eles diminuem os canteiros centrais das ruas para dar espaço aos automóveis. Um garoto com fome, entra em uma casa. A Lagoa ganha paradas de ônibus. Casas históricas são demolidas para dar lugar a prédios em forma de caixote.
“…Na segunda noite, já não se escondem;
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada…”
Cercam os jardins do Hotel Tambaú. Com medo dos garotos com fome, dos ‘chêra cola’. Os muros sobem, os jardins desaparecem da rua e as pessoas se trancam atrás de grades. Os prédios crescem em altura e o mar começa a ser avistado só de longe. O fiteiro da esquina desaparece. Os meninos não voltam mais sozinhos da escola. Tomamos providências, como se aquilo só nos dissesse respeito a nós mesmos. Cada qual cuida de si. Nunca mais brincadeira na calçada.
“… Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada…”
– “perdeu, playboy!” Perdeu o celular, perdeu o relógio, perdeu a rua. O passeio, a praia, a casa. O canteiro no meio da rua sufoca uma árvore entre carros.
Perdeu, playboy!
Perdeu os bambuzais, as palmeiras em forma de leque. Perdeu de ganhar jambo e manga do vizinho. Agora é facada, tiro, medo, engarrafamento. Rico em gaiola de rico. Pobre em gaiola de opressão e preconceito. Gente com raiva de gente.
Minha cidade ainda é linda. Vista de longe.
Está feia por dentro. Brutalizada. Desverdeada. Perdeu a graça e a inocência. O amor próprio, a autoestima, a liberdade.
E, por favor, não venha me dizer que a culpa é apenas dos políticos. A culpa é nossa também. Fomos nos acostumando, achando normal, botando cerca elétrica, desistindo dos nossos jardins. Aprendendo aos poucos a nos proteger de nós mesmos.
E, se já não podemos dizer nada, é por que estamos vendo em nós mesmos, nossas próprias ameaças.
Poema: “No Caminho com Maiakovski”, de Eduardo Alves da Costa. Poeta brasileiro.
A foto é de Hudson Azevedo e me foi gentilmente enviada por Germana Bronzeado.