Quando a minha adolescência chegou, chegaram juntos o desejo e um bigodinho ralo, que era motivo de gracejos constrangedores vindos dos adultos. Era assim na época. As meninas começavam a andar com a prancheta da escola agarrada no peito ou faziam uma concavidade com os ombros, para esconder os seios em crescimento. Adolescer era crise. Um dia a menstruação chegava, isso acontecia num susto, muitas sequer sabiam o que era aquilo e o aprendizado era numa exposição pública de medo e vergonha. Os meninos eram enviados à missão de se tornarem os garanhões da galáxia e as meninas a reprimir a sexualidade, a fim se tornarem candidatas adequadas ao casamento. “Quem tiver suas galinhas que as prenda, porque meu galo tá solto”. Era a frase do pai, orgulhoso do buço que crescia entre o nariz e a boca do assustado projeto de Dom Juan.
Hoje não é mais assim. Os adolescentes são bonitos, parecem saídos de capas de revistas, ou melhor, de páginas do Instagram, com milhares de seguidores, bem diferentes dos desengonçados da minha geração, sobretudo daqueles que, como eu, não curtiam esportes. Mesmo assim fui um adolescente bonitinho. Claro, teve um momento que o nariz decidiu crescer num ritmo diferente das demais partes do rosto, o que me fez ganhar dois apelidos, um na família, Pinóquio. O outro na escola, Alain “Delonge”.
As meninas também vivem isso de outro modo. Agora recebem flores do pai quando a menstruação chega, colocam silicone aos quinze anos de idade. Que coisa, né? Antes tentavam esconder. Quem lembra da propaganda do primeiro sutiã? Trocam a festa pomposa por uma viagem e podem dormir na casa do namorado. Ou namorada. Aliás, a festa de debutantes, que até pouco tempo ainda existia, acontecia por um motivo que hoje considerariamos absurdo: a então “menina moça” era apresentada à sociedade. A sorte estava lançada. Façam seus lances, senhores!
Entre uma e outra dessas gerações, muita água rolou por debaixo da ponte. A mulher que foi reprimida disse a si mesma que não faria assim com as próprias filhas. Muitos homens se libertaram da obrigação de serem máquinas de prover e reproduzir. Papéis foram questionados, houve mudanças nos ventos e nos destinos com parada obrigatória. E isso tem sido bom.
Um dia, passeando num shopping em Recife, com minha amiga Nil, que tinha sido mãe recente de duas meninas, entramos numa loja de brinquedos e ela comprou carrinhos.
– Ôche, Nil. Vai comprar carrinhos pra elas? Perguntei, surpreso.
– Vou, sim! Ela me respondeu, brava. Vocês vivem dizendo que mulher dirige mal e é verdade. Vocês passam a vida brincando com carros, aprendem a dirigir ainda meninos. E a gente só aprendendo a ser mãe, brincando de bonecas. Pois minhas filhas vão dirigir bem!
Calei, que eu não tinha mesmo nada pra dizer. Não dei palpite nem na cor.
Minha irmã também não gostava de bonecas. Lembro disso. As bonecas que ganhava de presente nos aniversários, por mais que fizessem gracinhas, como uma que dava uma risada boba quando tinha os bracinhos pressionados, não lhe despertavam interesse. Mas lá em casa não havia essa pressão de modo ostensivo. Hoje, ela é formada em música e em química. E não quis ter filhos.
Embora também não curtisse jogo de botão, que era o sonho de consumo dos meninos, eu compreendia o desinteresse da minha irmã por bonecas. Até que um dia, já homem velho, comprando brinquedos para presentear no Natal, a vendedora avisou que nos fundos da loja tinha alguns que estavam bem abaixo do preço, por causa de embalagens gastas. Fomos lá e a primeira coisa que vi foi uma Barbie réplica de Diana Ross. O coração chega bateu forte. A minha cantora favorita estava ali em miniatura, usando o figurino original, assinado pelo estilista, de um show que assisti duzentas vezes em DVD e ainda com a flor branca nos cabelos, homenagem a Billie Holiday. Comecei a arquitetar motivos para realizar a compra: “deve ser item de colecionador”; “se brincar, vale um bom dinheiro na inernet”…
– Menino, deixa de besteira e compra logo essa boneca. Tu num gostou?
Hirllen é assim. Direto e livre de julgamentos.
Foi o que fiz.
– Vamos fazer um embrulho lindo. A garota que ganhar vai adorar. Disse a vendedora.
– Precisa não. Essa vai ser pra mim.
Diana Ross ocupa um lugar de destaque na minha casa. E eu tenho essa história pra contar.
A primeira Barbie a gente nunca esquece!