Uma empresa ligada a um neto do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), recebeu verbas da Câmara dos Deputados nos últimos meses, driblando normas criadas para evitar que parentes de congressistas sejam beneficiados dessa maneira.
Gabriel Cordeiro Sarney, 24, é filho do deputado Sarney Filho (PV-MA) e é um dos três sócios da Ideaspread Participações, criada em agosto do ano passado.
A Metagov Comunicação, empresa controlada pelos dois sócios de Gabriel na Ideaspread, foi contratada por gabinetes de vários deputados, entre eles Sarney Filho, para dar consultoria política e criar sites e aplicativos.
Gabriel e Sarney Filho negaram que a contratação da Metagov tenha ocorrido por influência política.
Todos os parlamentares têm direito a uma verba mensal para custear despesas ligadas ao exercício de seu mandato, mas o regimento interno da Câmara proíbe empresas de parentes do deputado até o terceiro grau de receber esse dinheiro.
Além de ter sócios em comum, a Ideaspread e a Metagov foram registradas na Junta Comercial do Estado de São Paulo com o mesmo endereço, em uma sala comercial em Moema (zona sul de SP). Gabriel dá expediente no escritório e usa um e-mail da Metagov para contatos.
Até a quinta-feira passada, o perfil da Ideaspread no Facebook apresentava a Metagov como uma empresa "controlada pela Ideaspread".
Os registros da Metagov, criada em 2010, indicam como sócios da empresa Felipe Martins de Carvalho e Marcos Del Valle, que são os sócios de Gabriel na Ideaspread.
Em entrevista à Folha, Del Valle disse que Gabriel "trabalha com a parte do que a gente chama de inteligência política" na Metagov.
Del Valle disse que foi Gabriel quem apresentou a empresa a Sarney Filho. "Neste caso, [Gabriel] nos ajudou a conhecer o pai dele", disse.
Sarney Filho contratou a Metagov em fevereiro do ano passado e manteve a empresa entre os prestadores de serviços de seu gabinete após a criação da Ideaspread.
Desde o ano passado, a Metagov recebeu pelo menos R$ 260 mil de gabinetes de deputados, segundo prestações de contas disponíveis no site da Câmara. SARNEY Filho repassou R$ 72,5 mil.
Além dele, outros deputados usaram verbas da Câmara para pagar a empresa, entre eles Romário (PSB-RJ), Roberto Freire (PPS-SP), Renan Filho (PMDB-AL), Júlio Delgado (PSB-MG) e Wilson Filho (PMDB-PB).
Gabriel é irmão de José Adriano, envolvido em um escândalo do Senado em 2009 após a descoberta de que intermediava crédito consignado a servidores.
Ele é o quarto neto de Sarney que aparece ligado a verbas do Congresso. Em 2009 foi revelado que João Fernando, filho do empresário Fernando Sarney, era funcionário-fantasma do gabinete de Epitácio Cafeteira (PTB-MA).
No ano anterior, sua irmã Maria Beatriz pediu ao avô, em conversa telefônica, a nomeação do namorado para um cargo do Senado, o que acabou ocorrendo.
Outro lado – Gabriel Sarney e seu pai, o deputado Sarney Filho (PV-MA), negaram que tenha ocorrido influência política na contratação da Metagov Comunicação por deputados.
Também procurado, o presidente do Senado, JOSÉ Sarney (PMDB-AP), não quis se manifestar sobre o assunto.
Em resposta por escrito, Gabriel disse que integra a equipe da Metagov na área "de planejamento e inteligência política". Afirmou ser formado em publicidade e ter sido convidado para ser sócio da Ideaspread Participações.
O contrato social foi assinado por ele e outros dois sócios em 29 de agosto de 2011.
Questionado sobre os recursos que a Metagov recebeu da Câmara mesmo após a criação da Ideaspread, Gabriel disse que não fez parte das negociações.
Os contratos, segundo ele, foram fechados antes de sua chegada oficial à empresa.
Ele desmentiu a declaração dada pelo sócio Marcos Del Valle de que ajudou a Metagov na contratação pelo gabinete de seu pai.
Gabriel disse que, como condição para trabalhar na Metagov, exigiu o fim do contrato com o gabinete de seu pai. Mas Sarney Filho repassou à empresa pelo menos R$ 22,5 mil entre setembro e outubro, quando Gabriel já era oficialmente sócio da Ideaspread, ligada à Metagov.
À Folha o deputado disse que pediu à sua equipe que verifique possíveis irregularidades. "Caso seja identificada alguma falha, imediatamente tomarei as medidas que a legislação determina."
Os deputados que contratam os serviços da empresa disseram que desconheciam a ligação de Gabriel Sarney com os negócios.
Folha de São Paulo