Lindjane Pereira

Doutora em Letras pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Graduada em Letras e em Jornalismo também pela UFPB. É professora de Língua Portuguesa e revisora de textos.
Lindjane Pereira

“Em verdade temos medo”

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Sim, Drummond, “em verdade temos medo”: esse sentimento inerente à natureza humana, que nos paralisa e nos protege.  Outra verdade é que o medo faz parte do cotidiano de todos nós, em todas as épocas e em todos os lugares, sendo inegável o fato de que ele se intensifica em dados contextos. 

Nesse sentido, o poema “O medo”, de Carlos Drummond de Andrade, do qual transcrevi o verso que intitula esse texto, foi publicado em A rosa do povo (1945), obra que traz uma forte representação de um período da história do Brasil e do mundo marcado pelo totalitarismo da Ditadura Vargas, pela Segunda Grande Guerra, pela violência, pelo medo e pela paralisia do medo. “E fomos educados para o medo/cheiramos flores de medo/vestimos panos de medo/de medo, vermelhos rios/vadeamos”. 

Sei que nós brasileiros nos sentimos amedrontados desde sempre. Temos medo da violência, do desemprego, da fome. Recentemente, literalmente, colocamos as nossas vidas em “modo de espera” por medo de morrer ao contrair a Covid-19. Já em 2022, tivemos medo de declarar a nossa posição política, de exercer o direito sagrado ao voto porque fomos violentamente ameaçados. Vencemos o temor: fomos às urnas e defendemos a democracia.   

Todavia, há pouquíssimo tempo, o temor voltou a nos perseguir, ameaçando ferir o que temos de mais precioso: as nossas crianças e jovens. No mês de abril deste ano, muitos pais tiveram medo de levar seus filhos às escolas por causa de supostas fake news que teriam como propósito principal espalhar o “pânico”, termo, aliás, que intensifica a noção de medo, mas que carrega em si a ideia de coisa que seria sem fundamento. Fiz questão de adotar as formas verbais “teria” e “seria” porque tenho consciência de que as ameaças devem ser investigadas a fundo, pois episódios reais de violência nas escolas vêm acontecendo numa escalada fora do normal. 

E o que explicaria essas ameaças e a escalada da violência nas escolas?

Obviamente, não há uma única resposta para uma mazela social dessa proporção. No Brasil, a própria desigualdade social, a falta de investimento massivo em educação, a falta de segurança, são fatores que não podem ser ignorados. Contudo, apesar da complexidade do problema, já se evidenciou que as ameaças às escolas estão intimamente relacionadas a um contexto de propagação da violência muito mais amplo, e que vem atingindo o mundo todo, países em desenvolvimento e países desenvolvidos, a exemplo dos Estados Unidos, campeões em casos de ataques a instituições de ensino. 

O que há de novo? 

Ao que parece, a disseminação massiva da chamada cultura do ódio que, sabemos, sempre existiu na sociedade, mas que vem sendo amplificada na Internet, especialmente em redes sociais. 

Em reportagem publicada no jornal Estado de São Paulo, no dia 29 de março, a jornalista Luciana Garbin fala sobre como as “comunidades do ódio” (True Crime Community) vêm atraindo adolescentes e até crianças do mundo todo. Nesses espaços online, não só se incentiva a violência extrema, como também se comemora abertamente cada horror praticado. 

Segundo a reportagem, esses grupos não funcionam apenas na deep web (a chamada internet profunda, cujo acesso não é simples): eles postam imagens de incitação à violência em redes sociais que todos nós usamos, como o Instagram, o Facebook e o Tik-tok. A reportagem é baseada em uma entrevista feita com a pesquisadora Michele Prado, especialista em radicalização online que vem acompanhando esses grupos radicais que pregam, por exemplo, a misantropia, ou seja, o ódio pela humanidade. 

Então, diante desse cenário de horror, como não deixar que o medo nos paralise? Qual o papel da escola, dos professores, das famílias, enfim, de toda a sociedade, no combate à cultura da violência? 

A resposta mais óbvia (e nada simples de ser implementada) passa pelo controle dos conteúdos difundidos na Internet, tendo como premissa o fato de que a liberdade de expressão não é um direito absoluto capaz de se sobrepor aos direitos humanos como um todo, a exemplo do respeito à dignidade humanada e à preservação da vida. Esse monitoramento deve ser fruto de uma ação legal que não permita que conteúdos que incitem o ódio sejam propagados. Além disso, é decisiva a ação da família, no sentido de “prestar atenção” ao conteúdo que as nossas crianças e jovens acessam na Web. 

Em âmbito escolar, por sua vez, deve-se promover a cultura de paz e o combate a práticas danosas, como o bullying e a disseminação de fake news. Certamente, essa é uma tarefa muito difícil. Nesse período pós-pandemia, nossos estudantes estão carentes de quase tudo: precisam muito recuperar o tempo perdido no que se refere à aprendizagem, como falei no texto “A leitura que salva”, mas também gritam por um acompanhamento psicológico (professor não é psicólogo), já que, infelizmente, tornou-se corriqueiro ver adolescentes que se mutilam, com crises de ansiedade, depressão e com a autoestima extremamente baixa. Não seria esse público tão fragilizado o alvo mais vulnerável à cooptação de grupos extremistas?

Em suma, a luta contra a cultura do ódio deve ser coletiva. É preciso que todos nós façamos com que as nossas crianças e jovens assimilem uma postura humanista de convívio em sociedade, uma cultura de valorização da condição humana em sentido amplo, capaz de nos despertar a compreensão da generosidade, da solidariedade, da compaixão, da vida, da inclusão e do respeito às diferenças, do diálogo, da promoção da justiça e da paz social. Não é uma questão de escolha. É uma questão de sobrevivência. 

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