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Olá, você que está chegando. Sente-se e fique à vontade. Estamos falando sobre “apropriação cultural”, expressão criada para explicar quando alguém utiliza coisas da cultura de um grupo ao qual não pertence. É geralmente usado num sentido pejorativo, de crítica, como quando, por exemplo, uma mulher branca fica desfilando de turbante (africano) por aí… Quem julga isso inadequado ou ofensivo, dirá que ela está, indevidamente, fazendo “apropriação cultural”…

Enfim, o caso da nossa conversa é o da cantora baiana Daniela Mercury, que gravou recentemente o clipe de uma música inspirada no filme Pantera Negra, onde ela fica lá, rodeada de pessoas e elementos culturais negros. O ritmo é samba reggae (aquele do Olodum), e a letra é um louvor à ancestralidade africana, apresentada como a mãe de todas as raças, ou melhor, a “mãe da única raça, a raça humana”. Ocorre que ela é branca… E isso causou desconforto, polêmica, indignação… Começando pela declaração da cantora (negra) Larissa Luz, quando, num show, proclamou: “está na hora de parar de usar um discurso que não é seu pra lucrar. Está na hora de parar de usar um lugar de fala que não é seu pra ganhar. Porque preto de alma não existe. O Brasil é um país que mata, é um país que humilha, é um país que condena a cor da pele e não a cor da alma. Quem é preto, é preto. Quem não é, não é. A música preta é nossa”.

Quem me conhece, sabe que tenho respeito admirável pelos movimentos sociais (muito embora possa não parecer às vezes). Mas sei também que a energia, o engajamento e a imaturidade da juventude os levam, quase que inevitavelmente, aos excessos… Esse é o tempo próprio das paixões, da inconsequência e dos excessos. Nada é perfeito, e a beleza e o vigor da juventude tem que conviver com essa destemperança, com esse ímpeto, com essa contagiante ilusão de que são heróis poderosos… A sabedoria só vem depois, porque exige tempo e aprendizado, mas aí é quando a energia já não é mais a mesma… Esse é o barato da vida. E, no caso de Daniela Mercury, o excesso se revela com ingratidão e injustiça.

Porque, você sabe, foi uma artista imersa nessa cultura, cujo berço, no Brasil, é exatamente o lugar onde nasceu. Conhecemos Daniela sorrindo com os negros e os batuques, e isso permanece até hoje… Abraçou, com garra, a negritude. Celebrou com esse grupo um casamento fiel. Que começou na pobreza (quando a chamada “música baiana” ainda não era difundida nacionalmente), seguiu-se na riqueza (quando foi elevada a “rainha do axé”), e se continua hoje (mesmo com essa relação desgastada pelo tempo), carregando resistentemente o samba reggae, que há muito tempo não toca mais nas rádios… Se houve uma apropriação cultural, o foi no bom sentido. Se ela se beneficiou do movimento, esse também foi beneficiado pelo trabalho dela, porque ela sempre exaltou devotamente essa cultura (e ainda o faz). Contribuiu imensamente muito mais do que prejudicou. Negar isso é negar a história. Negar isso é ser ingrato.

A esse respeito, o maestro soteropolitano Letieres Leite conta (em entrevista ao jornalista James Martins, em 2016) que Daniela Mercury foi colocada no lugar de Margareth Menezes por ser branca: “se Margareth Menezes fosse branca, não existiria Daniela Mercury. (…) Eu estava na época aqui e eu vi”. Mas, ora, se as gravadoras e as TV’s preferiram protagonizar uma branca, anunciando melodicamente que “a cor dessa cidade sou eu” (quando, na verdade, sabemos que a cor da cidade é a da outra), esse é um problema da indústria e não da artista. Culpabilizá-la por estar nesse papel não me parece justo, nem honesto. Por outro lado, em sua longa carreira, ela sempre – preciso destacar que “sempre” – deu espaço para artistas negros, e isso não pode ser mencionado com a ironia bem humorada, o desdém e a ingratidão adolescente que vi por aí… Porque isso não é qualquer coisa. Isso é uma contribuição importante, que merece ser reconhecida. Se a sociedade brasileira racista preferiu destacar baianas brancas e pardas, como ela, Ivete Sangalo e Cláudia Leite, isso diz respeito muito mais a nós do que a elas. É mais fácil procurar um bode expiatório e descarregar nele as nossas próprias mazelas… É isso que mais praticamos nessas redes sociais…

Se até Daniela Mercury tem incomodado tantos militantes negros, imagine o pardo que vos escreve… Imagine, talvez, você que me lê agora…

Acho que devo dizer a essa juventude, bela, vigorosa e excessivamente apaixonada:

Que continuarei me sentindo chamado por Dona Canô;
Que continuarei sambando com as sambadeiras de roda do Recôncavo;
Que continuarei descendo pra ver Filhos de Gandhi; e
Que continuarei orando com Mãe Menininha do Gantois.

E sem culpa. Porque, se preciso, evocarei a liberdade de expressão consagrada na Constituição, para mostrar que o lugar de fala é o lugar de quem fala, seja onde estiver.

E com propriedade. Porque esse patrimônio imaterial da humanidade é meu também.

E sem preconceito. Porque, ao invés de ouvir que “preto de alma não existe” (Larissa Luz), prefiro cantar que “alma não tem cor” (Chico César).

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