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Dias Melhores Virão?

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Queria dias mais calmos.

Queria me sentir feliz de novo. Queria sonhar com Monica Vitti no céu. Queria não ter recebido a noticia da morte de Eliezer Rolim, que conheço desde que ele era Filho. Queria não ter pesadelos com as imagens de Moïse sendo espancado até a morte.

Não dá pra ser feliz, não dá pra ser feliz…

Queria voltar a sonhar livremente, sonhar acordado. Mas como, se toda a energia está sendo gasta em sobreviver? Sobreviver à Covid, sobreviver ao desmantelo, sobreviver ao ódio. Sobreviver aos exageros hedonistas, que, se não estão imunes ao vírus, estão imunes à dor. Anestesia de prazeres “instagramáveis”, palavra que aprendi recentemente e cujo significado repudio: viver para postar. Viver é melhor que sonhar. Postar é melhor que viver. Para quê viver uma vida ordinária, se posso fazer você acreditar que tenho uma vida extraordinária? Você finge que acredita, e eu finjo que não sei que você finge.

Sonhei que, quando essa pandemia estivesse chegando ao fim, sairíamos de casa nos reconhecendo, trocando abraços emocionados, chorando por estarmos vivos, por estarmos encontrando os vivos, consolando os vivos que perderam amores, abraçando para consolar e agradecer. Mas não. Saímos para as festas barulhentas. Talvez para abafar o barulho da nossa própria dor ou o barulho dos corpos ocos. Ocos de compaixão e afeto. Ocos de alguma saudade. Ocos até do próprio eco.

Queria ter confiança de novo. Confiar na notícia do jornal, no remédio que o doutor passa, na palavra dita, no ar que a gente respira. Respirar o mesmo ar, e isso ser coisa boa.

Queria um pouco de sobriedade. Eu sou um homem que gosta da vida, do viver. Gosto de amar, de fazer amor, de botar fantasia no carnaval e descer a avenida Epitácio Pessoa, atrás do trio de Mestre Fuba nas Muriçocas de Miramar. Gosto das caipirinhas no boteco à beira-mar, do vinho no jantar, de música o dia todo. Gosto de rir com os amigos. E de chorar, também. Mas agora, não. Agora queria isso aos pouquinhos. Devagarinho. Reaprendendo a estar com o outro sem medo, sem máscara, talvez.

Sinto falta de coisas bonitas.

Palavras gentis. Delicadezas. Sinto falta de abraços brasileiros, longos, peitos nos peitos. Sinto falta de feijoada, que eu nem amo, mas sinto falta, por causa dos amigos e da vontade de cair na rede, depois. Sinto falta de ganhar presente no dia do aniversário. Sinto falta de bocas. A primeira coisa que vejo no rosto das pessoas é a boca. Depois eu olho nos olhos pra ver se a boca corresponde. Batom. Acho lindo boca pintada. Sinto falta de olhar coisas bonitas com os amigos. Pode ser álbum de fotografias, plantinha que vingou, sobrinho, neto recém- nascido, exame que deu negativo. Sinto falta de dar “um xêro”. Fungar, sentir o perfume, porque cheiro é flor em Braille. Por falar nisso, sinto falta de alisar. Passar a mão na pele, apertar a bunda, estourar uns cravos. Sinto falta de olhar as pessoas se bronzeando na praia, mesmo que isso não esteja mais na moda. Ouvir a voz de Iris Lettiieri anunciado, nos alto-falantes, a hora do voo. É tão linda aquela voz que faz um Boeing parecer um aeroplano. O moço que vende um picolé chamado “pedacinho do céu “. O sabor é para paladares que não passaram da primeira infância, mas quem resiste a um pedacinho do céu? Sinto falta de esperar que a gente se encontre. Pra um encontro marcado, quinze minutos de atraso, no máximo, não pra quando “só Deus sabe quando”. Sinto falta de saudades, quando isso era uma memória boa, ou quando era “então vamo se ver”! Sinto falta de ir na feira e perguntar para a senhora ao meu lado, na ala das frutas:

– Acha que esse melão tá maduro? Sinto falta de uma certa felicidade idiota, boba, nas festas de casamento. Sinto falta de vocês. Sem vocês, eu nem lembro mais de mim. Eu só sei quem eu sou quando estou junto de vocês. Sinto muita falta, muita falta das coisas bonitas que gosto de olhar com vocês.

Queria reaprender a ver a vida com os olhos. O amanhecer sem filtro, o rosto sem retoque, o prato cheio nas mesas de todos ao invés do prato chic nas redes; o amor de fato, não nas fotos. Queria não achar que o espancamento de Moïse está distante de mim, porque vi através da tela, como num filme sobre violência. Que não, não pode ser normal morrer de Covid. Apenas Monica Vitti teve direito de partir e deixar uma saudade linda, de quando era gostoso ir ao cinema ou revê-la nas madrugadas da Sessão Coruja.

 

 

O texto é dedicado a Ceíta Jansen, após o autor saber de sua partida, em fevereiro. 

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