A Coordenadoria Nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho (Coordigualdade) do Ministério Público do Trabalho encaminhou representação à Procuradoria Regional do Trabalho da 10ª Região, em Brasília, contra a Fiat do Brasil S/A pela prática discriminatória na seleção de trabalhadores. A denúncia de discriminação foi feita pelo procurador paraibano Paulo Germano, que instaurou procedimento para verificar a prática de reserva de vagas para moradores de determinados municípios próximos à nova unidade da Fiat, que será instalada em Goiana, Pernambuco, na divisa com a Paraíba.
Para o procurador Flávio Gondim, vice-coordenador nacional da Coordigualdade, o problema ultrapassa os limites da Paraíba e Pernambuco, acarretando lesão de caráter supra-regional, podendo ser visualizada até mesmo como lesão de caráter nacional. “Concorrem para essa potencial dimensão nacional da lesão o fato de a Fiat ser uma empresa multinacional, detentora de grande credibilidade no cenário corporativo internacional, além das amplas perspectivas de sucesso do pólo automotivo de Goiana”, enumerou Gondim. A representação destaca, ainda, o elevado número de postos de trabalho gerados pelo empreendimento (cerca de 15 mil empregos diretos e outros milhares indiretos), bem como a variedade de funções disponíveis e os atrativos salários ofertados.
Para Gondim, essas circunstâncias, consideradas em seu conjunto, tornam plausível a ideia de que existem, nos mais diversos pontos do País, profissionais dotados de satisfatória qualificação técnica efetivamente interessados em participar daquela seleção e dispostos a se transferir em definitivo para Pernambuco, caso contratados.
“Sob esse enfoque, é possível afirmar que a "reserva de mercado" patrocinada pela Fiat afeta, ao menos potencialmente, um contingente indeterminável de cidadãos brasileiros, de todas as unidades da Federação, consubstanciando, assim, lesão de caráter nacional. A adoção de qualquer desses pontos de vista leva à inexorável conclusão de que a atuação do Ministério Público do Trabalho em face da prática discriminatória ora denunciada deve ser centralizada em Brasília/DF, em atenção à diretriz jurisprudencial segundo a qual compete privativamente às Varas do Trabalho do Distrito Federal processar. Embora questionável à vista da legislação em vigor, é essa, lamentavelmente, a diretriz que tem prevalecido, até a presente data, na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho”, justificou o procurador.
O procedimento promocional (Promo) de n.º 000253.2012.13.000/72 foi instaurado, de ofício, pelo procurador do Trabalho Paulo Germano após verificar, pela imprensa, a exigência de comprovante de residência para os trabalhadores alistados em alguns municípios paraibanos próximos a Goiana.
Coordenada – As obras de construção/instalação da fábrica da Fiat no município de Goiana demandarão a contratação de aproximadamente sete mil trabalhadores (profissionais da área de construção civil). Após a sua inauguração, prevista para o início do ano de 2014, a unidade fabril empregará, na atividade de produção de automóveis, outros sete mil trabalhadores, de diversas áreas profissionais, gerando ainda, em seu entorno, milhares de empregos indiretos.
Em virtude de tratativas mantidas com os Governos dos Estados da Paraíba e de Pernambuco, a Fiat decidiu restringir o acesso a esses novos postos de trabalho a pessoas residentes em municípios situados num raio de 45 quilômetros de distância em relação à sede do pólo automotivo. Inserem-se na “zona geográfica de recrutamento” delimitada 12 municípios pernambucanos (Goiana, Abreu e Lima, Aliança, Camutanga, Condado, Ferreiros, Igarassu, Itamaracá, Itambém, Itapissuma, Itaquitinga e Timbaúba) e quatro paraibanos (Alhandra, Caaporã, Pedras de Fogo e Pitimbu).
O quantitativo total de postos de trabalho oferecido pela empresa foi dividido em "lotes", fixando-se, de modo arbitrário e apriorístico, um número determinado de vagas para cada um dos municípios situados nessa “zona geográfica de recrutamento”. Para a etapa de construção/instalação da fábrica, a Fiat reservou a pessoas residentes em Alhandra, Caaporã, Pedras de Fogo e Pitimbu o quantitativo de 805 postos de trabalho, destinando as vagas remanescentes a pessoas residentes naqueles 12 municípios pernambucanos.
“O processo de seleção de candidatos a emprego deve se centrar na avaliação das habilidades técnicas e aptidões profissionais dos postulantes ao cargo em disputa, sendo indevida a perquirição de aspectos da vida pessoal do trabalhador que não guardem relação direta com sua conduta funcional nem influenciem a forma como ele, caso contratado, desempenhará suas atividades no seio da empresa. A utilização do critério "origem" como fator de discrímen entre candidatos a emprego compromete a igualdade de oportunidades no acesso ao mercado de trabalho, configurando modalidade ilegítima de discriminação, vulneradora do disposto na Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho, no art. 3º da Constituição Federal e no art. 1º da Lei Federal n.º 9.029/95. A “reserva de mercado” praticada pela Fiat, com a chancela dos governos estaduais de Pernambuco e da Paraíba, lesiona, de maneira difusa, os interesses de um contingente indeterminável de pessoas, injusta e aprioristicamente impedidas de participar do processo de seleção em curso pelo simples fato de não residirem em algum dos 16 municípios situados na "zona geográfica de recrutamento" arbitrariamente definida pela empresa”, diz a representação.
Assinam a representação a coordenadora nacional da Coordigualdade, Andrea Nice Silveira Lino Lopes; o vice-coordenador, Flávio Gondim, e o procurador do Trabalho Paulo Germano.