Bertrand Lira

Bertrand Lira é cineasta e professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPB/Campus I
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‘De Macabéa à Pacarrete’: Belo Horizonte se rende ao talento de Marcélia Cartaxo

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A 5ª Mostra Diálogos pela Equidade: Mulheres Plurais, em Belo Horizonte, faz uma bela e justa homenagem à Marcélia Cartaxo, paraibana de Cajazeiras. São quatro longas-metragens protagonizados pela atriz: ‘A hora da estrela’ (Suzana Amaral, 1986); ‘A mãe’ (Cristiano Burlan, 2021), ‘Pacarrete’ (Alain Deberton, 1919) e ‘Seu amor de volta (mesmo que ele não queira)’ (Bertrand Lira, 2019) e três curtas-metragens onde a atriz exerce a função de diretora: ‘Tempo de Ira’ (Marcélia Cartaxo e Gisella de Mello, 2003); ‘De Lua’ (2013) e ‘Redemunho’ (2016). 

Reproduzo aqui trechos de um texto intitulado ‘De Macabéa à Pacarrete’, que escrevi para o Caderno do 28° Festival de Cinema de Vitória em homenagem à atriz em 2021: “A imagem de Marcélia mais vaga que me vem à mente é a da garota franzina, branquinha e olhar curioso, à janela da sua casa, na parte mais elevada da rua Higino Rolim, próxima do açude, o nosso mar, em Cajazeiras, Sertão da Paraíba. A menina Marcélia com olhos prenhes de desejos sonhava com a relativa liberdade que nos era concedida por nossos pais. Sua carta de alforria veio a conta-gotas, quando começou a brincar de “drama” no quintal do vizinho Eliezer Rolim (in memorian).

Fazia parte da trupe infantil, além do próprio Eliezer Rolim, mentor da artimanha, Soia, Nanego, Savinho e Paula Lira (meus irmãos), Suedi, Lincoln, as irmãs Wilma e Wildenir, os irmãos Lucilda, Luciene, e Leidson Feitosa, entre outras crianças das ruas próximas. O grupo de teatro, que foi de início batizado de Mickey, fazia pequenas apresentações no formato de esquetes, primeiro na rua Higino Rolim e depois em escolas e noutros espaços da cidade. Com o “amadurecimento” dos seus integrantes (da infância à adolescência), passou a se chamar Grupo Terra de Teatro, criando textos com temas mais adultos.

 Beiço de Estrada, a segunda montagem do grupo nessa nova fase – a primeira fora ‘Os pirralhos’ – traz Marcélia como Véu de Noiva, a menina tímida e ingênua, reservada para o casamento pela mãe, dona de um cabaré, para fugir do destino de se tornar prostituta como as demais irmãs. Com ‘Os pirralhos’ o grupo participou de circuitos estaduais de teatro na Paraíba a partir de uma visita à Cajazeiras, do ator, também paraibano, Luiz Carlos Vasconcelos, que se encantou com a maturidade artística dos “meninos”. A “hora da estrela” de Marcélia aconteceu com Beiço de Estrada.

Foi em 1984, pelas mãos de Luiz Carlos, que o grupo chegou ao Circuito Mambembão de Teatro encantando e comovendo o Sudeste e o Sul do país. Numa das apresentações, a então aspirante à diretora Susana Amaral estava na plateia e ficou fascinada com a atuação de Marcélia. A personagem Véu de Noiva tinha muito da desafortunada Macabéa de ‘A Hora da Estrela’, do romance de Clarice Lispector. Ficou o convite para um teste que aconteceria um ano depois. Lá vai a menina tímida e assustada para o estrelato. O orçamento para o longa era tão pequeno que Marcélia penou dois dias de viagem de ônibus de Cajazeiras a São Paulo, quase uma travessia pelo país. Os testes antecederam imediatamente às filmagens e Marcélia não retornou à Paraíba.

Marcélia Cartaxo virou Macabéa, Macabéa virou Marcélia. Impossível não ver o rosto de Marcélia ao ler as desventuras da protagonista na obra-prima de Clarice Lispector. Vieram as aclamações nos festivais de cinema de Brasília (1985) e Berlim (1986). Marcélia se torna a primeira brasileira a trazer o troféu de Melhor Atriz (neste caso, o Urso de Prata) de um grande festival estrangeiro. Acompanhei toda essa trajetória de Marcélia até os dias atuais, vibrando com suas conquistas e solidário aos seus infortúnios. 

Foram anos no Rio de Janeiro, sozinha e muitas vezes esquecida, com grandes dificuldades para sobreviver, aceitando papeis ínfimos em novelas, muito abaixo do seu grande talento. Uma exceção foi a telenovela ‘Porto dos milagres’ (2000) na Globo, onde sua personagem teve um certo destaque, coincidentemente ao lado do paraibano José Dumont, seu namorado em ‘A Hora da Estrela’.

O filme Pacarrete (2019), de Allan Deberton, traz Marcélia no papel da protagonista que dá nome ao filme e tem Soia Lira como Maria, sua empregada doméstica. Marcélia recebeu o prêmio de Melhor atriz por encarnar Pacarrete e Soia o de Melhor Atriz Coadjuvante pela personagem Maria no 49º Festival de Cinema de Gramado de 2019. 

Para quem acreditava que Marcélia Cartaxo estaria colada eternamente à ingênua Macabéa, sua maior performance como atriz até então, percebeu que o talento de cajazeirense é muito maior do que interpretar uma personagem com um physique de rôle semelhante ao seu e com uma história que tem muita coisa em comum com a sofrida jornada de Macabéa. A Pacarrete de Deberton veio provar que Marcélia é uma gigante ao encarnar uma bailarina idosa lutando pelo direito de levar a sua arte ao público de sua cidade natal. Marcélia agora não é apenas Macabéa, é também Pacarrete eternizadas pelo poder mágico do cinema.  

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