A poucos dias do final de ano, com festas e reencontros batendo à porta, pensamentos insones aparecem, sem querer partir. Foi um período em que o mundo todo vivenciou diversas formas de angústias. Muito se ouviu o termo culpa. Seja pela dor da inevitável perda; na despedida atropelada pelo tempo; ao término da relação amorosa, também caída doente em meio à pandemia; no amor esvaído; durante o gesto negado, ou pelo simples fato da própria existência.
De um jeito ou outro, o ser humano é afeito a atrair culpas e culpados, em vez de simplesmente arrepender-se, praticar o autoperdão ou assumir responsabilidades, se for o caso. Parece até que há eternamente uma dívida a pagar, mesmo quando o ato de endividar-se sequer foi consumado.
Existiria então uma espécie de culpa prévia, também pandêmica, além de crônica? Aquela que aprisiona, isola, paralisa e adoece? Afinal, endividado, ninguém consegue ser livre. A liberdade torna-se cada vez mais distante, escorrendo entre dedos e mentes prisioneiras de um tipo de problema que se manifesta de várias maneiras.
Remorso e neurose são algumas de suas interfaces, desveladas principalmente pelo formato como a pessoa relaciona-se consigo mesma e reage aos fatos. O indivíduo precisa entender que ele pode falhar, perder e, inclusive, aprender com os erros. Extrair também pontos positivos de tais situações, em vez de apenas remoê-las internamente.
Os pensamentos ruminantes em nada adiantarão. Mas, estranha e paradoxalmente, desde os primeiros anos de vida, o ser é atravessado por tais sentimentos. O complexo de Édipo, por exemplo, gera culpas e angústias, que podem permanecer no eu, por não haver um desfecho do processo edipiano.
O que seria então da culpa se um dia aprendêssemos, de fato, a autolibertar-se do passado não tão palatável, aquele que apenas incomoda? Um peso morto, sem serventia, moldado por padrões talvez pertencentes a outras pessoas. Ou mesmo por afetos negativos, originários de culturas e valores morais avessos àquilo que somos verdadeiramente.
À medida em que engessa e paralisa, esse sentimento desmonta pessoas, impedindo-as de seguir. Na verdade, transporta o ser humano a um lugar de extrema vulnerabilidade, onde irá cometer, facilmente, os mesmos “pecados”, iniciando um ciclo vicioso que se retroalimenta.
Mas seria o fechamento de tal processo também motivo de remorsos e angústias? Provavelmente, sim. A superação, para não falar em cura, pode trazer a culpa de ser o que se é. Alguém cheio de imperfeições que, segundo Sartre (filósofo francês), também está, inevitavelmente, “condenado a ser livre”.
Nos últimos dias de 2021, em 2022, 2023, 2024 …, a vida se apresentará, com todo seu arsenal desestruturador de personalidades e provocador de desamparos. São tribunais, julgamentos e longos desertos, inclusive imaginários. Cabe a cada um aprender sempre a seguir, despindo-se de sentimentos destrutivos, feito a culpa, assim como da sensação de que o mundo não mais aninha, apenas pune.