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Crime sob o manto da Ditadura é exumado em “Operação Camanducaia”

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Vez por outra crimes da Ditadura Militar saem das trevas para nos assombrar. O documentário dirigido por Tiago Rezende de Toledo, Operação Camanducaia (2020, 76 min, disponível na plataforma Petra Belas Artes à la Carte), como o livro Infância dos Mortos, de José Louzeiro, tira do esquecimento a história cruel de 93 meninos e adolescentes de rua de São Paulo, sequestrados e levados em dois ônibus para Minas Gerais, onde foram abandonados próximo a Camanducaia, cidade do interior mineiro. A versão oficial assegura que eles seriam levados para a Bahia e fugiram no percurso.

Para resgatar essa trágica história, 50 pessoas foram entrevistadas ao longo de dez anos, tempo dedicado à pesquisa, realização e lançamento do filme no ano passado. Instigado pelo livro Infância dos Mortos, Tiago Rezende executa, de certa forma, o que o estudioso de cinema Jean-Claude Bernadet denominou de “documentário de busca”, quando o diretor, a partir de um ponto de partida, vai documentando o processo de investigação sem a certeza do que encontrará. O registro do processo é o que importa. Bernadet criou o termo ao se referir aos instigantes documentários 33, realizado por Kiko Goifman, em 2003, e Um passaporte húngaro por Sandra Kogut, em 2002.

O cotejamento de Operação Camanducaia com esses dois documentários para por aqui. Em 33 e em Um passaporte húngaro, seus diretores são personagens dos seus próprios documentários, o que caracteriza essas obras como autobiográficas, ou seja, uma narrativa em primeira pessoa com toda carga de subjetividade que é outorgada a esse subgênero do documentário. Nesses filmes, os autores imprimem um diferencial ao fazer de suas narrativas em um registro incerto e cheio de riscos quanto ao seu percurso e final. Goifman, filho adotivo, parte em busca de sua mãe biológica estabelecendo estratégias de publicização na mídia dessa busca. Kogut, descendente de húngaros, por sua vez, decide registrar sua jornada na tentativa de obter um passaporte daquele país da Europa Central.

No caso do Operação Camanducaia, Tiago Rezende parte de um romance-reportagem, publicado em 1977, pelo jornalista José Louzeiro (1932-2017), cuja reportagem para um periódico, conta-se, havia sido censurada. Rezende inicia sua narrativa em primeira pessoa para logo aparecer como personagem que interage com os demais objetos de sua busca, esses verdadeiros personagens/atores sociais do documentário. Porque, diferente dos filmes acima mencionados, não é a história do diretor que está sendo contada.

Mas voltemos ao drama dos quase cem garotos e jovens, supostamente todos infratores, sequestrados no dia 19 de outubro de 1974 no auge dos “anos de chumbo” (1968-1974) da Ditadura Militar no Brasil. Eles foram retirados à noite de suas celas no Departamento Estadual de Investigações Criminais de São Paulo (DEIC) por policiais fortemente armados e levados em dois ônibus até Minas Gerais, onde foram abandonados às margens da Rodovia Fernão Dias. A jornada do diretor em Operação Camanducaia é a sua longa busca por esses meninos e adolescentes quatro décadas depois. Como no cinema direto (documentário participativo/interativo), o diretor termina, de certa forma, sendo personagem de sua narrativa.

A abertura do filme lança mão de imagens fotográficas reticuladas e vai se tornando mais figurativa à medida que a câmera se distancia delas, num efeito semelhante às imagens publicadas em jornais mais antigos. A música reforça esse clima de mistério revelado com a manchete de um jornal: “93 menores abandonados na fronteira”. A voz over do narrador (o diretor) sobre a imagem noturna de um posto de combustível, à beira de uma estrada, informa que ali os menores invadiram o restaurante, todos nus, famintos e machucados, roubando as toalhas das mesas para se protegerem do frio.

Na sua busca, Tiago Rezende vai descobrindo testemunhas do caso que mexeu com a pequena cidade mineira de Camanducaia, mostrando fotografias de arquivo para instigar a memória dos depoentes. O garçom da churrascaria da estrada; o motorista que recolheu os “trombadinhas” e os levou para a delegacia da cidade; a senhora que tenta a todo custo extrair da memória da avó informações sobre um dos garotos sequestrados; o filho de um policial de São Paulo envolvido na operação que dá uma versão chapa-branca do crime escutada ao longo da sua infância, entre outros personagens, inclusive dois desses garotos, agora adultos – o momento comovente do documentário.

Além do uso da fotografia como disparador da memória, os depoimentos são entremeados com fotografias e recortes de jornais, um recurso usado com eficácia no filme. A realização de um documentário comporta riscos e incidentes incontornáveis. Às vezes, pode-se tirar bom proveito deles na medida que o diretor reconhece seu potencial narrativo. Mas bons personagens não brotam com a chuva. Às vezes tem-se de tirar leite de pedra. E bem que Tiago tenta. O mérito de Operação Camanducaia é o de ter encontrado alguns raros personagens do sequestro e trazer à tona esse crime contra os direitos humanos amplamente divulgado na imprensa à época, mas posteriormente sepultado sob o manto da impunidade de um governo autoritário. Caso arquivado.

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