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Comunidade quilombola na PB ganha novo acesso para escoar produção

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“Um sonho que se torna realidade”. Este é o sentimento da ex-presidente da associação da Comunidade Quilombola do Grilo, Leonilda Coelho Tenório dos Santos, 57 anos, conhecida Paquinha, ao ver que a estrada que ela começou a abrir com as próprias mãos está sendo pavimentada em paralelepípedos pelo Departamento de Estradas de Rodagem da Paraíba (DER/PB). A obra facilitará o acesso das 71 famílias da comunidade, localizada no município paraibano de Riachão do Bacamarte, a cerca de 100 quilômetros de João Pessoa, à BR 230 e aos vizinhos municípios de Campina Grande, Ingá e Juarez Távora.

De acordo com o diretor de Operações do DER/PB, Armando Marinho, a pavimentação da estrada, que tem cerca de um quilômetro e custará R$ 484 mil, está sendo realizada através do Programa Mais Trabalho. A previsão é de que a obra seja concluída até o final do ano.

A pavimentação em paralelepípedos vai contribuir para diminuir o isolamento da comunidade e facilitar o escoamento da produção das famílias, que vivem atualmente do plantio de milho, fava, macaxeira, inhame, batata-doce e de, pelo menos, nove variedades de feijão. Algumas famílias do Grilo têm tirado seu sustento do cultivo de hortaliças; outras, de pequenas criações de animais, como cabras, bodes e perus.

Há cerca de 15 anos, não havia no lugar da estrada mais do que uma trilha perigosa, cheia de pedras e de espécies nativas cheias de espinhos, como xiquexiques e mandacarus. Depois de um sonho, Dona Paquinha comprou três marretas com as economias que guardava para reformar a casa simples onde vivia com o marido e quatro filhos. À noite, depois de passar o dia no roçado e de fazer os trabalhos de casa, ela quebrava pedras e arrancava o mato para alargar a trilha que levava a comunidade a estradas carroçáveis (onde é possível o tráfego de veículos).

“Abri a estrada com minhas próprias mãos. Quebrava as pedras à noite, às vezes até 1 hora da madrugada, porque é mais fácil de quebrar quando a pedra pega a quentura do dia”, explicou Dona Paquinha.

Ela contou que gastou quase R$ 9 mil em brita e cimento e dois anos e meio para deixar o caminho carroçável. “Deixei de ajeitar minha casa pra fazer isso”, revelou a liderança, que contou ainda que ficava triste quando via as famílias deixando a comunidade devido ao isolamento em que elas viviam.

Dona Paquinha enfrentou a descrença dos vizinhos praticamente sozinha. “Era chamada de doida”, disse. “Hoje me sinto realizada e vitoriosa porque comecei sozinha, sem dinheiro, com a cara e a coragem. Abri a estrada porque queria que desse para passar pelo menos um burro de carga. Hoje, mesmo antes dessa obra de agora, já passava até caminhão e ônibus escolar. A vida mudou muito. Não somos mais isolados”.

Cisternas garantem acesso à água

Dona Paquinha também trabalha na construção de cisternas de placas para as famílias da comunidade através do Programa Cooperar, do Governo do Estado da Paraíba. Já foram construídas, desde 2016, 55 cisternas na Comunidade do Grilo – a maioria pelas mãos de Dona Paquinha.

“Com as cisternas mudou tudo, porque o lugar onde vivemos é seco, sem água. A gente andava várias léguas para buscar água de burro”, disse, acrescentando que, atualmente a Secretaria de Saúde do Estado faz periodicamente a análise da água armazenada nas cisternas da comunidade.

Antes, segundo Paquinha, eram necessárias até três viagens de burro ou jumento até a barragem mais próxima da comunidade, a cerca de meia-hora, para conseguir a água para a horta. Até pouco tempo atrás, as famílias utilizam a pouca água proveniente de um poço amazonas perfurado pela comunidade no último trimestre de 2016. Agora, boa parte da água para a produção vem das cisternas.

Regularização do território do Grilo

O processo de regularização do território de 139 hectares reivindicado pela Comunidade Quilombola do Grilo está em fase de conclusão. Em fevereiro de 2017, as famílias receberam da Superintendência Regional do Incra na Paraíba (Incra/PB) o Contrato de Concessão de Direito Real de Uso (CCDRU), que serve como título provisório e garante a posse da área pela comunidade até que seja concluída pela Justiça Federal a ação de desapropriação do terceiro e último imóvel incidente sobre o território quilombola. Segundo a antropóloga do Serviço de Regularização de Territórios Quilombolas do Incra na Paraíba (Incra/PB) Maria Ester Fortes, embora ainda não esteja de posse do título definitivo, a comunidade já pode usufruir plenamente do seu território, com acesso pleno e autoridade sobre as áreas.

Para Dona Paquinha, que era presidente da associação da Comunidade do Grilo à época da conquista do título, ele significa “libertação”. “Hoje podemos plantar sem medo, fazer uma pequena barragem e investir na produção”, afirmou.

Ela contou ainda que as famílias da Comunidade do Grilo pagavam foro, uma taxa cobrada pelos proprietários das terras, para poderem plantar na área durante seis meses do ano. “Às vezes não dava nem tempo de colher o roçado porque o gado dos donos das terras comia tudo”, contou a ex-presidente da associação da Comunidade do Grilo.

A presidente da Associação de Apoio aos Assentamentos e Comunidades Afrodescendentes da Paraíba (Aacade/PB), Francimar Fernandes, contou que, em 2006, quando a entidade passou a acompanhar de perto a situação da Comunidade do Grilo, as famílias viviam em “uma dura realidade”. “Elas sofriam com a falta d’água, tinham pouco espaço para produzir e pouca informação. O difícil acesso à comunidade também provocava problemas relacionados à falta de informação e de comunicação”, afirmou Francimar.

Ela disse ainda que o papel da Aacade/PB na comunidade “é contribuir para que as políticas públicas cheguem e, tudo isso, através do protagonismo das lideranças”; e destacou como principal vitória das famílias a conquista do território, ainda que sem o título definitivo, há quase dois anos.

História documentada

O Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) – peça inicial do processo administrativo de regularização dos territórios quilombolas – da Comunidade do Grilo foi publicado em 25 de março de 2011 e foi fruto de contrato firmado em março de 2008 entre o Incra/PB e a Fundação Parque Tecnológico da Paraíba (PaqTcPB) e elaborado por equipe técnica comandada por Mércia Rejane Rangel Batista, doutora em Antropologia Social e professora adjunta da Unidade Acadêmica de Sociologia e Antropologia do Centro de Humanidades da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).

O RTID aponta os aspectos históricos e socioculturais das comunidades e é constituído por relatório antropológico, relatório agronômico e ambiental, levantamento fundiário, mapa e memorial descritivo da área, além da relação das famílias quilombolas cadastradas pelo Incra.

De acordo com depoimentos dos moradores do Grilo transcritos no RTID, a comunidade se originou quando as terras da comunidade quilombola vizinha, a Pedra D’Água, tornaram-se insuficientes para sustentar todas as famílias. Descendentes da Pedra D’Água se estabeleceram em terras dos arredores, que hoje constituem as comunidades quilombolas do Grilo, do Matias e do Matão.

Ainda segundo o RTID, as famílias que hoje vivem na comunidade descendem, em grande parte, dos primos Manuel Dudá e Dôra, que, depois de casados, retornaram ao Grilo, onde Manuel havia nascido, na condição de moradores. No final da década de 1960, após 14 anos de trabalho, a família comprou um pequeno pedaço de terra onde hoje é o núcleo de moradia do Grilo.

Segundo o RTID, ao se casarem, os filhos do casal foram se estabelecendo ao redor dos pais e passaram a depender das terras vizinhas para manter seus roçados, não mais como moradores, mas como arrendatários.

O RTID registra várias características e tradições da comunidade, como a organização em torno dos laços de parentesco, a priorização dos casamentos endogâmicos, as memórias de festa e trabalho constituídas pela lida no roçado próprio ou como mão de obra alugada, a confecção de louça de barro e do labirinto – tarefas marcadamente femininas –, as festas de São João e as celebrações animadas pelo coco de roda, pela ciranda e pelo samba. As celebrações religiosas de caráter coletivo incluíam, segundo o relatório, as rezas ao longo de todo o mês de maio e as novenas realizadas nas casas da comunidade e encerradas, muitas vezes, com uma roda de ciranda.

Regularização quilombola

O processo de regularização fundiária de comunidades quilombolas é demorado, de acordo com a antropóloga Maria Ester, mas indispensável ao futuro das comunidades quilombolas, que têm visto suas áreas cada vez mais diminuídas com a especulação imobiliária.

As comunidades quilombolas são grupos étnicos predominantemente constituídos pela população negra rural ou urbana, que se autodefinem a partir das relações com a terra, o parentesco, o território, a ancestralidade, as tradições e práticas culturais próprias. Estima-se que em todo o País existam mais de três mil comunidades quilombolas.

Para terem seus territórios regularizados, as comunidades quilombolas devem encaminhar uma declaração na qual se identificam como comunidade remanescente de quilombo à Fundação Cultural Palmares, que expedirá uma Certidão de Auto-reconhecimento em nome da mesma. Devem ainda encaminhar à Superintendência Regional do Incra uma solicitação formal de abertura dos procedimentos administrativos visando à regularização.

A regularização do território tem início com um estudo da área, a elaboração de um Relatório Técnico que identifica e delimita o território da comunidade. Uma vez aprovado este relatório e o perímetro nele definido, o Incra publica uma portaria de reconhecimento que declara os limites do território quilombola. A fase final do procedimento corresponde à regularização fundiária, com a retirada de ocupantes não quilombolas através de desapropriação e/ou pagamento das benfeitorias e a demarcação do território.

Ao final do processo, é concedido título de propriedade coletivo, pró-indiviso e em nome da associação dos moradores da área, registrado no cartório de imóveis, sem qualquer ônus financeiro para a comunidade beneficiada. Os títulos garantem a posse da terra, além do acesso a políticas públicas como educação, saúde e financiamentos por meio de créditos específicos.

Atualmente, outros 29 processos para a regularização de territórios quilombolas encontram-se em andamento na Superintendência Regional do Incra na Paraíba.

De acordo com a presidente da Aacade/PB, Francimar Fernandes, 39 comunidades remanescentes de quilombos na Paraíba já possuem a Certidão de Autodefinição expedida pela Fundação Cultural Palmares.

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