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“Clandestino ou alternativo”: uma escolha perigosa

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Mislene Santos
Especial para o
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O sinal de luz anuncia a chegada do veículo. A dúvida se mistura ao medo. No ponto de ônibus de Cabedelo, nas proximidades do Cassino da Lagoa, estavam apenas eu e minha Filha, Maria Eduarda, de cinco anos de idade. O nosso destino era Intermares, em Cabedelo.  A insistência do sinal de luz aumenta a tensão, pois já era início de noite de um sábado, dia em que poucas pessoas passam pelo local.

O carro, um Corsa Sedan verde, pára e anuncia seu destino: “Cabedelo”. Logo, um rapaz que vinha chegando ao local apressa o passo e entra. Minha filha pede para irmos também e justifica: “Meu pé está doendo. Vamos de carro, mamãe, por favor!".

Cedo ao pedido e me dirijo ao carro. Abro a porta e encaminho Maria Eduarda. Em seguida, um grande susto me invade, pois o carro deu partida antes que ela pudesse sentar. A reação não poderia ser outra ao ver minha única filha quase cair na pista.

“Moço, moço, pare o carro! O senhor precisa ter mais atenção. Minha filha quase caiu. O senhor não viu que íamos entrar, não?", perguntei.

O silêncio foi-me dado como resposta. A única palavra dirigida a mim foi a informação do valor da viagem: “São dois reais, dona”.

Seguimos para o nosso destino, enquanto a pressa e as várias paradas para outros passageiros entrarem e saírem aumentavam minha insegurança.

Nossa parada já estava se aproximando, às margens da BR 230, próximo ao posto Texaco, na entrada principal de Intermares. Pergunto ao motorista se ele pode desviar o caminho pela avenida principal, Mar Vermelho, e me deixar na orla, mas, outra vez não tive resposta. Na parada solicitada, o motorista se dirigiu ao passageiro que estava ao lado e avisou: “Vou entrar aqui para deixar a dona. É rápido”.  Ele me deixa no ponto em que pedi, pago a corrida com R$ 5 e recebo R$ 2 de troco, mas não questiono a falta de R$ 1 real e sigo meu caminho com Maria Eduarda.

“Alternativos” – Os transportes “alternativos” têm uma frota de 5 mil carros espalhados pelo Estado, concentrando sua maioria na grande João Pessoa. Seus pontos de embarque e desembarque são em lugares estratégicos de grande movimentação e sempre próximos aos terminais dos ônibus, que geralmente fazem o mesmo percurso.

Os terminais desse tipo de transporte são de acordo com o destino. O estacionamento “Relâmpago” no cruzamento da Rua Maciel Pinheiro com Padre Azevedo concentra cerca de 100 veículos que fazem viagens intermunicipais e interestaduais. Ao lado, funciona o estacionamento “Alto ParKing” na Rua Peregrino de Carvalho. Com a frente voltada para o terminal de integração, o local abriga diariamente aproximadamente 45 carros cujo trajeto inclui Cabedelo, Intermares, Praia do Jacaré e adjacências. Na Rua General Osório, nas proximidades da loja Eletropeças, outros 40 fazem fila dupla na avenida e disputam os passageiros que vão para Bayeux e Santa Rita.

Na batalha pelo maior número de passageiros, vale tudo. A pressa e o desrespeito às Leis de Trânsito são flagradas na minha travessia, no sinal vermelho e na faixa de pedestre, no cruzamento da Rua General Osório e Padre Azevedo. Um veiculo avança o sinal vermelho em alta velocidade, para na fila dupla onde se prepara para a próxima viagem. Os vários destinos ecoam em diversas vozes e tons.  As abordagens diretas e insistentes deixam quem não deseja o usar o “alternativo” acuado e desconfortado.

A organização – Em todos os terminais dos “alternativos” é visível a presença de um organizador das viagens, que preenche uma prancheta e aponta o carro da vez. De acordo com o motorista Antônio Santos, que faz viagens para o município de Sapé, essa é uma forma de evitar brigas entre os motoristas.

Ele diz que a jornada de trabalho começa às 4h30 e termina às 20h, ou seja, mais de 15 horas de trabalho. Ele se mostra insatisfeito ao organizar a viagem de um colega e desabafa: “Isso aqui é para quem está desempregado. Veja esse carro que acabou de sair. Esse rapaz é policial e não precisa disso aqui”. O motorista diz que há muitos policiais que também fazem esse tipo de transporte e acabam prejudicando os outros colegas.

O motorista Marcelo Carlos de Souza exerce a função de “presidente da linha de Cabedelo”. Ele organiza os motoristas e indica aos passageiros o carro que está na vez. Marcelo Carlos, assim como os demais motoristas, demonstra preocupação com a fiscalização. “A nossa preocupação é que tinha gente proibindo o nosso transporte e aplicando multas altas, mas a gente sabe que isso é coisa política e que depois eles abrem mão”, comentou.

O fardamento também faz parte da organização dos motoristas que atuam nas “linhas de Bayeux e Santa Rita”. As cores das camisas indicam os destinos. Os motoristas vestidos com camisa verde seguem para o Jardim Aeroporto; os de vermelho para o bairro da Imaculada, Sesi e Liberdade, todos em Bayeux;  já os de amarelo vão para os bairros do município de Santa Rita.

Segurança – Mais do que organização, o fardamento releva a preocupação dos próprios motoristas com a insegurança com a qual o transporte “alternativo” está revestido. De acordo com o motorista Fernando Fabiano Bernardo essa foi uma forma que eles encontraram para o passageiros identificarem os motoristas, fazendo com que eles se sentissem "seguros".

Fabiano Bernardo revelou que muitas vezes outros carros que não fazem parte da categoria se infiltram entre eles trazendo vários prejuízos para os motoristas. “Muitos deles eram ex-presidiários e se passavam por motoristas e assaltavam as pessoas. Isso estava sujando a imagem da gente”, revelou Fabiano. Ele disse, ainda, que não tinha como evitar a  invasão dos pontos de transporte informal. “Agora isso diminuiu muito, porque já morreu muita gente e quem não morreu voltou para a prisão”, disse. Outro motorista, que não quis se identificar, confirmou que estava havendo muitos assaltos aos passageiros e atribuiu a prática aos “infiltrados”. 

O “fiscal” da área, Hercules de Souza, incomodado com minha presença, deixou a mesa do churrasquinho, onde já havia tomado algumas latinhas de cerveja e disse que existe uma estratégia de trabalho para evitar a ação dos “infiltrados”. “A gente faz com que o passageiro pegue confiança na gente. Nós conhecemos todos os nossos passageiros e agora de farda fica mais fácil para eles nos identificarem. Essa é nossa forma de evitar que os motoristas desconhecidos peguem os nossos passageiros”, explicou Hércules, que não usava a farda.

Os passageiros – A dona de casa, Zulmira de Araújo, do Jardim Aeroporto em Bayeux, afirmou preferir os alternativos e que  nunca lhe aconteceu nada. Ela demonstrou confiança no transporte informal: “A farda ajuda agente a identificar os motoristas  e isso ajuda”.

Já a comerciária Gilmara Tavares desabafou. Ela revelou que sua opção pelos alternativos se dá pelo fato de os ônibus da linha do Jardim Aeroporto demorarem mais. O tempo de espera, às vezes chega a uma hora. "Nunca me aconteceu nada, mas eu sei que se acontecer eu vou me prejudicar, pois não vou ter a quem recorrer. Se os ônibus não demorassem tanto, eu iria neles”.

Uma estudante universitária, que não quis se identificar e será chamada pelo nome fictício de Maria não teve a mesma sorte e viveu horas de terror quando resolveu voltar para casa com um condutor de transporte alternativo. No caminho, ele desviou a rota e a levou para um matagal onde abusou sexualmente da moça. Desde então, ela tem se submetido a um tratamento psiquiátrico para tentar superar o trauma. “Depois de tudo que eu passei, eu mudei minha rotina e jamais vou utilizar nenhum tipo de transporte que não seja legalizado”, desabafou.

Os Sindicatos – De acordo com o presidente do “Sindicato dos Condutores Autônomos de Transporte Públicos da Paraíba”, Iramar Menezes, circulam no Estado cerca de cinco mil veículos “alternativos”. Desse total, 1.200 têm pontos de embarque e desembarque em João Pessoa. Segundo ele, só para Cabedelo são feitas 7.200 viagens diárias e outras 14 mil para Santa Rita.

Ele revelou que muitos motoristas não precisam fazer esse tipo de trabalho, pois têm emprego fixo e um bom salário. Segundo Iramar Menezes, há muitos “paraquedistas e investidores”, com frota de até 10 carros alugados para terceiros. Segundo o sindicalista, essas pessoas, em sua maioria, vêm de outros Estados explorar a atividade do transporte clandestino na Paraíba.

Iramar denuncia que entre eles há “funcionário público com dois, três e até cinco carros alugados. Tem oficial, delegado, filho de juiz, pessoas que não precisam, tirando o pão da boca do outro”. Ele disse, ainda, que o sindicato não tem como coibir a atuação indiscriminada de "investidores" e atribui ao Governo a responsabilidade de disciplinar os clandestinos. “Isso não é culpa nossa. A culpa é do governo do estado que não regulariza a nossa categoria, para poder fiscalizar e aplicar multas a essas pessoas. Mas, teriam que aplicar multas altas e fazer com que essas pessoas não se infiltrem mais em nosso meio, e não essas de 80 UFIRs, que não valem nada”, ironizou.

Enquanto o representante dos “alternativos” reclama dos “infiltrados”, o presidente do Sindicato dos Taxistas, Edmilson Francisco, releva que a ação dos “clandestinos” não prejudica a categoria, mas acaba com eles. “Tem muito pai de família que abandonou a profissão, pois não estava conseguindo ganhar nem o dinheiro da prestação do carro”.

Segundo ele, essa é uma discussão antiga e não há ação efetiva para solucionar o problema. Edmilson Francisco pontuou que não há o que se fazer a não ser conviver com a situação. “Eles querem se regularizar alegando que só vão circular onde não há transporte público, mas eles estão nas feiras, em Mangabeira, Alto do Mateus e em vários bairros da capital que tem transporte sobrando”, destacou. 

Por outro lado, o presidente do Sindicado dos Transportes Públicos da Paraíba, Antônio de Pádua, diz que na Grande João Pessoa a categoria convive com alguns problemas graves como os engarrafamentos e os assaltos aos ônibus, mas que nenhum se compara com a ação dos transportes clandestinos. “Eles estão crescendo de uma forma assustadora e a capital não comporta a quantidade de veículos já existente. Imagine os que chegam a mais todos os dias!”, destacou Pádua.

Ele disse que devido à ação dos transportes “alternativos” nos últimos 12 anos, 20 empresas de transporte coletivo fecharam as portas, deixando três mil trabalhadores desempregados. De acordo com Pádua, os clandestinos atuam em todos os lugares onde há eficiência no transporte coletivo. Segundo ele, em Cabedelo, onde se registra uma atuação maciça dos informais, há uma frota de 40 ônibus novos circulando de 10 em 10 minutos, fazendo um total de 600 viagens por dia. No Alto do Mateus, são 24 e cerca de 400 viagens e em Mangabeira circulam mais de 100 ônibus diariamente e mesmo assim os motorista dos “clandestinos” permanecem atuando.

A solução apontada por Antônio de Pádua para a situação dos transportes “alternativos” na Paraíba seria a fiscalização rigorosa por parte dos órgãos competentes para se fazer cumprir o que manda a Lei, ou seja, coibir o transporte remunerado de passageiros em carro de pequeno porte.

“Se hoje  já existem os clandestinos dos clandestinos  imagine como ficaria a situação se eles se regularizassem?”, indagou.

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