A vida é sempre a mesma para todos: rede de ilusões e desenganos. O quadro é único, a moldura é que é diferente. (Florbela Espanca)
Quando planejou a “Disneyland”, na Califórnia, Walt Disney intencionou criar um espaço de lazer para a família americana, onde os sonhos se materializassem através de seus personagens, vistos em paradas, festas, castelos, montanhas russas e uma multiplicidade de artefatos. A ideia era distribuir felicidade em um mundo encantado.
O projeto, financeiramente, deu tão certo que há filiais do parque nos Estados Unidos, Europa e Ásia. Todos foram implantados de acordo com o “American dream”.
Todavia, Disney fracassou sob outras óticas. Os parques pagam salários baixos (se comparada à média nacional), e seus trabalhadores são submetidos a jornadas, por vezes, exaustivas. Segundo o periódico “Orlando Sentinel”, um funcionário do setor de diversões temáticas leva 4 meses para receber o que um único turista gasta em 3 dias no complexo Disney. Segundo os sindicatos locais, os contracheques mal cobrem o básico, e os trabalhadores têm que tomar decisões difíceis a cada mês para pagar, em atraso, contas médicas ou comprar mantimentos suficientes para alimentar uma família.
Gabby Alcantara-Anderson, funcionária do Complexo Disney em Orlando, teve que dormir no seu automóvel estacionado nas proximidades do parque por não poder arcar com as despesas de combustível.
Qual a semelhança há entre a fantasia da Disney e o Brasil de hoje? Respondo: a alegoria, o falseamento da realidade e a ilegitimidade dos arquétipos.
A cidade de Brasília, assim como a Disneylândia, nasceu de um sonho do então Presidente Juscelino Kubistchek, materializado pelo talento de Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. A ideia era subtrair a capital federal do Rio de Janeiro que estaria mais sujeito à instabilidade política e a golpes e transferi-la para o isolamento do Brasil central.
Brasília se tornou um marco histórico da arquitetura brasileira. Os traços racionais de Niemeyer e suas curvas sinuosas (de sutil influência corbusiana) deram à cidade um charme e seriedades únicos que a projetaram a nível internacional, propalando o “Brazlian Style”.
Nos objetivos finalísticos, Kubistchek, tal qual Disney, também fracassou. A Disney não patrocina a felicidade, Brasília tampouco, a estabilidade e a segurança política.
De 1960 (ano de instalação de Brasília) para cá, o país amargou um golpe militar que estabeleceu uma ditadura e dois impeachments de presidentes da República. Com pouco mais de 60 anos, a capital federal foi palco das mais esdrúxulas, mendazes e espúrias manobras e conchavos políticos os quais acabaram por resvalar um dos mais ricos países do mundo, o Brasil, na decadência, e seus cidadãos, na miséria.
Está-se a assistir hoje o desmantelamento da máquina pública, o enfraquecimento das instituições, a infiltração diabólica da religião no Poder, a destruição do meio ambiente e a aprovação de mecanismos que vulnerabilizam ainda mais a população brasileira. Por um triz, a Nação não sofreu um novo golpe político, apoiado por meia dúzia de autoridades e uma minoria insana e ignóbil de populares no último 7 de setembro.
Na Braziland, há dublê de heróis, mas o que mais a caracteriza é a explícita vilania de agentes políticos a qual é capaz fazer temer os mais icônicos antagonistas da Disney, como Cruella DeVil, Malévola, Capitão Gancho e a Rainha de Copas.
Entrementes, é forçoso reconhecer a visceral diferença entre a “Disneyland” e a “Braziland”: a primeira apresenta prosperidade econômica (ainda se questione seus métodos); já a segunda, está mergulhada no poço sem fim.
Um detalhe: este texto não é um conto de fadas e, aparentemente, não sei se haverá final feliz.