Bertrand Lira

Bertrand Lira é cineasta e professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPB/Campus I
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Bergman à brasileira: ovacionado em Gramado, ‘Tia Virgínia’ estreia em João Pessoa

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Relações e conflitos familiares já renderam grandes filmes a exemplo de ‘Sonata de Outono’, do sueco Ingmar Bergman (1978), que narra magistralmente o reencontro de Charlotte (Ingrid Bergman), uma famosa pianista e mãe ausente, com suas filhas Eva (Liv Ullmann) e Helena (Lena Nyman); como também ‘Festa em Família’ (1998), do dinamarquês Thomas Vinterberg, um retrato cruel da hipocrisia de uma família que se reúne para celebrar os 60 anos do patriarca. Mágoas e ressentimentos são expostos e revelações dolorosas emergem, com uma crescente tensão que explode no clímax de ambos os filmes.

foto: Andréa Testoni / Zuppa Filmes

Em cartaz no Artplex do Mag Shopping, apenas esta semana, ‘Tia Virgínia’ (2023), roteirizado e dirigido por Fabio Meira, tem igualmente como mote uma reunião familiar, desta vez para festejar o Natal. Virgínia (Vera Holtz), uma mulher de 70 anos, se prepara para receber suas as irmãs Vanda (Arlete Sales) e Valquíria (Louise Cardoso), além de alguns integrantes do clã: os sobrinhos Bernardo (Iuri Saraiva) e Ludmila (Daniela Fontan) e o cunhado Tavares (Antonio Pitanga). A duração da história é de apenas um dia e sua localização é um único cenário, a casa da matriarca (Vera Valdez).  

Virgínia representa diversas mulheres solteiras e sem prole a quem cabe tomar conta dos pais já que os demais filhos e filhas casadas se eximem dessa tarefa. Está aí a origem do conflito motor da narrativa de ‘Tia Virgínia’ que alterna, diferente dos filmes nórdicos, drama e humor. “Convencida” a desempenhar esse papel, Virgínia abriu mão de quase sua vida inteira para cuidar dos pais, enquanto as demais estavam livres para abraçar suas escolhas pessoais.

Natural que as sequelas desse desígnio na vida da protagonista Virgínia (interpretação admirável de Holtz com empatia imediata junto ao público) se transladem em frustração e ressentimentos, sobretudo pela relação desigual entre ela e as irmãs, que aterrissam interferindo no cotidiano da casa, desde a disposição dos móveis, à forma de cuidar da mãe ao menu do almoço e da ceia de Natal, sempre tentando valer suas vontades. Apenas Ludmila (Daniela Fontan), filha de Vanda, tem uma relação de cumplicidade com a tia Virgínia.  Bernardo (Iuri Saraiva), filho de Valquíria se revela um escroque. Ao longo da narrativa, novas revelações atestam que de perto ninguém é normal.

Reunidas num ambiente claustrofóbico, engendrado por uma mobília e decoração pesadas e por uma iluminação em meio claro-escuro, as personagens se enredam numa trama na qual uma palavra ou forma de enuncia-la gera uma tensão, mesmo que alternada por bons momentos de humor. É justamente na jocosidade, às vezes escrachada, como a performance apoteótica da tia Virgínia no final, que diferencia ‘Tia Virgínia’ dos filmes fortemente tensos e angustiantes do sueco Bergman e do dinamarquês Vinterberg. Meira é brasileiro e impregna seu filme de humor, um excelente humor autocrítico que nos faz rir de nós mesmos.

O diretor goiano Fabio Meira coleciona reconhecimentos em prestigiosos festivais no Brasil e no mundo. ‘As duas Irenes’, longa-metragem de 2017, roteirizado e dirigido por Meira, estreou no Festival Internacional de Berlim. Em Gramado foi indicado para diversas categorias, sendo agraciado como Melhor Roteiro, Ator Coadjuvante (Marco Ricca) e Direção de Arte (Fernanda Carlucci). E com ‘Tia Virgínia’, aplaudido em plena sessão no 51° Festival de Gramado deste ano, foi premiado seis vezes: Melhor Filme (Júri da Crítica), Melhor Roteiro (Fabio Meira), Melhor Atriz (Vera Holtz), Menção Honrosa do Júri (Vera Valdéz), Melhor Direção de Arte (Ana Mara Abreu) e Melhor Desenho de Som (Rubem Valdés). 

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